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Publicado em: 15/10/2021

Congresso debate propostas para um Sistema Tributário moderno e justo

Por Francisca Azevedo (Febrafite), Raquel Capanema (Affemg), Julio Scarparo e Bruna Serra (Unafisco Nacional)

Portugal e Brasil têm problemas semelhantes, mas quando o assunto é reforma tributária a realidade é bem diferente. Enquanto no Brasil ainda que pareça ficar aquém, há uma reforma em curso no Senado Federal com expectativas de avançar, a PEC 110/2019 que prevê a criação de um IVA-dual, com um tributo de competência dos estados e municípios e um da União, em Portugal  alterações no modelo fiscal é apenas tema de discussão na imprensa.

E como conseguimos alcançar um sistema fiscal justo? É preciso reformar profundamente o sistema fiscal? Para contribuir com o debate, o último painel desta quinta (14) do 5º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais teve como tema “Sistema Fiscal Justo e Reforma Tributária”.

O presidente da Febrafite, Rodrigo Spada, mediou o painel. Ele destacou que o sistema tributário é a forma mais reveladora da manifesta desigualdade social e que o modelo representa a própria distribuição de poder na sociedade. “No Brasil quem ganha mais, paga menos impostos. Por essa razão, esse painel é central nesta discussão para o nosso país”, disse.

União pela aprovação de uma reforma completa dos tributos

Spada lembrou que, desde a Constituição Federal de 1988, o tema da reforma tributária é debatido no país e que agora vivencia um momento único, com a união entre entidades da indústria, dos secretários de Fazenda dos Estados, dos Fiscos, de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais, que se uniram pela aprovação de uma reforma completa dos tributos sobre o consumo de bens e serviços. Em seguida, Rodrigo convidou o senador Roberto Rocha para sua manifestação destacando o parlamentar como uma personalidade central nesta discussão.

Roberto Rocha lembrou que a carga tributária é muito alta no Brasil, onde poucos pagam muito. E que o desafio é fazer com que muitos paguem pouco. É aí que entra a PEC 110, que altera radicalmente a base do consumo, que é a maior no Brasil, representando mais de 50% da arrecadação tributária e onde está presente a grande maioria da população brasileira, especialmente os mais pobres. “Proporcionalmente, no Brasil, quem tem menor poder contributivo paga mais do que quem tem maior poder contributivo. Isso é uma violência”, disse.

O relator da PEC 110 esclareceu que a proposta propõe um IVA-dual, a exemplo do Canadá e da Índia. “Um IVA do governo federal, que unifica os impostos federais PIS e Cofins, chamado CBS (Contribuição de Bens e Serviços); e um IVA dos entes subnacionais, Estados e municípios, unificando ICMS e ISS, que vai se chamar IBS, obedecendo a mesma carga tributária vigente atualmente. Esse sistema eu considero viável e justo.”

Para Roberto Rocha a PEC 110 é justa porque mantém a carga tributária. “Não podemos, em um primeiro momento, diminuir a carga tributária, pois ninguém abre mão de receita, e não podemos aumentar, pois ninguém aguenta mais. “Os especialistas dizem que se já tivéssemos feito uma reforma há 15 anos, já tínhamos um crescimento do PIB entre 15% e 20%”, concluiu o senador.

Memorável participação do senador Anastasia sobre papel do senador Roberto Rocha na reforma tributária

O senador Antônio Anastasia (PSD/MG) foi convidado extraordinariamente pelo moderador Rodrigo Spada, presidente da Febrafite, para interagir com o senador Roberto Rocha, que fez sua exposição do Brasil, via internet. Anastasia usou a palavra por poucos minutos e fez questão de manifestar sua satisfação por ter conhecido, na oportunidade deste 5º Congresso, vários especialistas no assunto e pediu aos participantes para que, mais uma vez, registrassem a realidade e a história: “se tivermos e teremos a reforma tributária será graças ao esforço do Senador Roberto Rocha. O parlamentar se empenhou para que o tema avançasse, combatendo indignações, conversando com empresários, realizando reuniões e não esmoreceu, mesmo diante de um tema tão difícil”, elogiou o colega. E declarou: “o Senado vai aprovar a Reforma e, assim, premiar o seu esforço, senador Roberto.” E se despediu com o compromisso de se encontrar, já na semana que vem, com o colega de Senado na CCJ para o início da tramitação da PEC 110/19.

Em seguida, o moderador Rodrigo Spada, fez coro ao senador Anastasia ao dizer que oito entidades do Fisco assinaram uma nota conjunta apoiando publicamente o trabalho do senador Roberto Rocha e pedindo a aprovação da reforma tributária, pois “seja pela devolução dos tributos para as classes mais baixas, seja pela progressividade através da imposição sobre herança ou pela tributação de embarcações e aeronaves, a proposta será capaz de reduzir a desigualdades”, concluiu.

Combate à pobreza

Melina Rocha Lukic, diretora de Cursos na York University , no Canadá, abriu sua exposição afirmando que o Fisco brasileiro é o mais moderno do mundo. “A nossa nota fiscal eletrônica é um avanço tecnológico que poucos países concretizaram, porém nosso sistema tributário é um dos mais atrasados. Tributamos consumo e não promovemos igualdade.”

Ela explicou que o ICMS brasileiro já foi chamado de IVA, injustamente. O ICMS não é nem nunca foi IVA, também não é cumulativo, nunca teve uma base ampla e só incide sobre mercadorias. Ela ainda citou problemas com o ISS que é cumulativo e tributa uma lista restrita de serviços.

A professora ainda fez um apanhado histórico das tentativas infrutíferas em torno da questão do IVA,  chegou otimista nos comentários para a PEC 110/19, que em cima das vantagens e desvantagens de seus antecessores, traz uma proposta de IVA dual, que é mais adequada à federação. “De certo os Estados abriram mão de muitas coisas, contudo, com a sua aprovação, cada estado e município poderá escolher sua alíquota própria. Haverá autonomia”, disse.

E, para arrematar, sobre justiça tributária, Melina disse que a proposta trará a devolução para as famílias mais vulneráveis, “antes de dar isenção, é melhor arrecadar e distribuir entre os mais pobres.”

Financiamento das políticas públicas

O advogado e ex-secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social de Portugal, Marco António Costa, falou sobre a função social dos impostos.

Ele informou que Portugal arrecadou em 2019 mais de 80 milhões de euros e, deste total, 22,8% foi destinado para a manutenção dos programas sociais do seu país. “Quando o cidadão tem uma emergência social, quando precisa de uma escola, da proteção do Estado, ele conta com essa resposta, com o retorno dos impostos por meio das políticas públicas.”

Na avaliação advogado, a pandemia de covid-19 provocou o aumento da presença do estado para atender às demandas sociais no enfrentamento da doença. Ele também disse que essas circunstâncias demandaram uma nova forma de trabalhar a seguridade social e que é preciso pensar em novas formas de financiamento para atender os contribuintes, especialmente os mais vulneráveis.

Para encerrar manifestação, Marco António ressaltou que, para haver um sistema tributário justo no Brasil, a reforma tributária deve ser integrada e com visão global.

Justiça Fiscal não é o único objetivo

O docente Universitário e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, apresentou as características de um sistema fiscal justo, entre outros pontos. Segundo ele, a justiça no sistema fiscal é vista como uma questão de justiça distributiva, uma distribuição do encargo tributário. “A justiça fiscal não deve ser o único objetivo de um sistema fiscal.” Para Fernando Rocha, não se pode procurar a justiça fiscal a todo o custo ignorando outras necessidades que o sistema tem que considerar.

Em seguida, ele apresentou quais seriam os objetivos de um sistema fiscal, segundo dados de Mirlees Review de 2010. O escopo do referido sistema deve ter a minimização dos efeitos negativos do sistema fiscal sobre o bem-estar e a eficiência econômica; a minimização dos custos de administração; a fairness num sentido não distributivo, como por exemplo havendo procedimento justo; e transparência, como a que revela os impostos presentes nos alimentos, nos produtos.

Tais objetivos são mais bem atingidos, segundo o relatório supracitado, com um sistema fiscal que seja simples, assegure a neutralidade e que tenha estabilidade. No entanto, de acordo com Fernando Rocha, nem sempre tais regras gerais garantem o alcance dos objetivos relacionados.

Fonte: Febrafite