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Publicado em: 30/09/2015

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Enquanto não acertarmos o fiscal é muito difícil juros caírem, afirma Levy

Ministro da Fazenda discursou na cerimônia de premiação do ranking Empresas Mais, elaborado pelo 'Estado' em parceria com a FIA

SÃO PAULO - O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez na manhã desta terça-feira, 29, discurso bastante enfático sobre a necessidade de o governo, com o apoio da sociedade, promover o ajuste fiscal. Levy discursou na cerimônia de premiação do ranking Empresas Mais, elaborado pelo Estadão.

Para o ministro, o desequilíbrio fiscal é a fonte de todas as incertezas. "Enquanto não acertarmos o fiscal, será muito difícil os juros caírem", disse o Levy. Segundo ele, para o Brasil sair da crise é preciso uma linha clara de ação e o governo está tentando transmitir isso.

Ainda de acordo com o ministro da Fazenda, a queda da inflação também está associada ao ajuste fiscal. "Para a inflação cair, com queda dos juros curtos e longos, o fiscal precisa ser acertado", afirmou.

"Como eu tenho dito, é a estratégia 1, 2 e 3. Primeiro a gente acertar o fiscal, que é a maior fonte de incerteza pra todo mundo, porque as pessoas não sabem como vão ser os impostos em um, dois, dez anos. Tem de cortar onde tem de cortar, mas olhando com realismo e sabendo as mudanças profundas que certas economias vão requer, senão é apenas espuma. E o Brasil não vai aceitar espuma", comentou Levy. Os outros dois passos da estratégia são o retorno de um crescimento saudável do crédito e depois a promoção de reformas estruturais.

Esforço fiscal. Levy ressaltou que o Brasil vem fazendo um esforço fiscal enorme no curto prazo. Segundo ele, o governo está economizando este ano R$ 80 bilhões em relação ao que foi aprovado no Orçamento, com R$ 40 bilhões a menos nas despesas discricionárias. "Nós estamos pagando mais de R$ 20 bilhões em subsídios, de 2012, 2013... No ano passado só foram pagos R$ 4 bilhões. É lógico que é muito mais difícil alcançar a meta fiscal, mas estamos pondo a casa em ordem, pagando coisas do passado, o PSI, o apoio agrícola".

Ele mencionou ainda o grande trabalho para que o Congresso mantenha os vetos presidenciais, já que os projetos barrados poderiam gerar quase R$ 60 bilhões em gastos. "São duas CPMFs", destacou Levy. Segundo o ministro, a presidente a Dilma Rousseff teve coragem de vetar esses projetos, mesmo sabendo do custo político, e agora o governo tem encontrado apoio no Congresso para a manutenção dos vetos.

O ministro lembrou da crise brasileira na década de 1980, com choques externos e incertezas políticas, que teve um custo muito alto. "O objetivo atual é evitar o longo processo que teve naquela época. A gente sabe como foi um caminho difícil, o que foi até chegar ao default. Não tem motivo para achar que esse é o caminho agora, depois de tudo que já se fez". Segundo ele, nas crises anteriores o Brasil não tinha o arcabouço institucional que existe hoje, inclusive na área fiscal, e também não havia a maturidade política atual. "O maior risco é a procura de soluções fáceis, mudando uma peça aqui e acolá e achando que vai resolver tudo".

O ministro da Fazenda lembrou que, quando um país passa por uma rápida desaceleração econômica, para acertar o fiscal "tem de pensar em receitas". "Outros países também recorreram a isso, pois as reformas e a diminuição de gasto demoram mais para acontecer e precisamos ter uma ponte segura para chegar ao outro lado". Levy comentou a turbulência nos mercados financeiros nos últimos dias, em função das dúvidas sobre se o governo conseguirá obter as receitas necessárias, para mostrar a importância de ter uma política fiscal clara.

Levy explicou que além de medidas de curto prazo também é preciso pensar em reformas estruturais e o governo não está se furtando a isso. "Temos de estar preparados, e o governo tem procurado se preparar, talvez com erros, acertos, mas é muito claro que estamos nos preparando".

Ele lembrou ainda que o Brasil passou por um choque importante nos termos de troca e que pode enfrentar turbulências com a normalização da política monetária dos EUA.

Crescimento. Joaquim Levy afirmou que a economia brasileira pode voltar a crescer dentro de aproximadamente um ano e que os empresários têm de estar preparados para atender essa demanda. Caso contrário, isso gera inflação e impede um crescimento maior do Brasil, configurando o chamado "voo de galinha".

Levy explicou que, resolvida a situação fiscal, será possível reduzir os juros e o crédito voltará a crescer de maneira saudável. Assim, a economia deve reagir relativamente rápido e justamente por isso é preciso avançar com as reformas estruturais, "para não termos mais voo de galinha". O problema do Brasil não é demanda, é oferta, frisou.

"Quando a economia readquirir suas cores, temos de estar preparados para não batermos no muro da oferta", apontou. Ele explicou que essa rigidez na oferta se reflete em preços mais altos. Isso aconteceu no ano 2000, quando o Brasil crescia 4,5% e viu uma série de restrições de oferta. "Precisamos prestar atenção hoje para estar preparados para que daqui um ano, quando for que a economia voltar a crescer, a gente tenha enfrentado essas questões da oferta".

Levy disse que algumas medidas tomadas pelo governo no começo deste ano já estão dando resultado, inclusive com um incentivo das exportações e uma maior demanda por produtos industriais domésticos, em função da recente valorização do câmbio. "É assim que nós vamos enfrentar o desemprego", apontou. "Não é crédito subsidiado que vai fazer as empresas comprarem novas máquinas, é confiança de que o ciclo de desenvolvimento é equilibrado".

ICMS. O ministro da Fazenda disse o que uma das principais propostas fiscais do governo, a reforma do ICMS, tem o apoio dos governadores. Ele lembrou que a União propôs a criação de dois fundos, um de compensação financeira para os Estados mais afetados e outro para investir em infraestrutura, e que isso é extremamente justo.

"Essa é uma estratégia fundamental, pois diminui as incertezas das empresas e dá dinheiro para os Estados. É uma reforma que faz com que o imposto fique onde o bem é consumido. Hoje está ao alcance da mão", afirmou durante a premiação do ranking Empresas Mais, elaborado pelo Estadão.

O ministro lembrou que parte dos fundos será financiada pelos recursos que o governo pretende obter com o projeto de repatriação de quantias não declaradas no exterior, o que será uma fonte "extremamente significativa" para financiar essa transição do ICMS. "Tem de haver afinidade política, haver clareza, compromisso. Essa é uma estratégia que já está posta, está no Congresso", salientou.

Levy também comentou outras propostas sugeridas recentemente por um importante economista (ele não revelou o nome) na imprensa. Uma delas é a desvinculação das receitas, o que o ministro diz que já está sendo feito. "Nós mandamos a DRU (desvinculação das receitas da União) com o maior porcentual, aumentamos de 20% para 30%", comentou.

Ele falou ainda sobre a desindexação da economia, apontando que as propostas de aumento de salário dos servidores públicos passaram a ser feitas com base na perspectiva de inflação, contida na pesquisa Focus, e não mais na inflação passada, e o mesmo aconteceu com contratos de setores eletro-intensivos. "Isso é desindexação. É obvio que não se acaba com a indexação apenas proibindo coisas. É preciso olhar para frente, fazer com que a credibilidade da política monetária seja um guia para pessoas tomarem decisão, influenciar contratos".

O ministro falou ainda sobre outra proposta desse economista, que é a simplificação das relações trabalhistas. Nesse ponto, Levy citou o projeto para regularizar os trabalhadores terceirizados. "É preciso garantir os direitos dos trabalhadores e também a Previdência. Podemos ajudar o mercado de trabalho a ser mais flexível e o custo com a Justiça trabalhista ser menor. É assim que se aumenta a produtividade da economia".

Frisando constantemente a importância das medidas que estão sendo propostas pelo governo e mostrando até certo fastio, Levy disse que a equipe econômica não está fazendo nada fora do comum. "Não estamos propondo isso porque somos geniais, mas é porque a realidade se impõe. Nós podemos enfrentar isso com segurança, sucesso, sem ambiguidades políticas. Esses desafios não são maiores que o Brasil", reforçou.

Fonte: O Estado de S. Paulo