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As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 29/07/2024

Hipóteses de presunção de omissão de entradas

Em matéria de inovação para a atividade de fiscalização de estabelecimentos trazida pela Lei 18.665/2023, esta é uma das principais.

Considerando-se que a quase totalidade das aquisições de mercadorias do comércio atacadista e varejista está submetida à substituição tributária por retenção na fonte ou quando do ingresso neste Estado, entendeu-se que o foco das estratégias de sonegação deslocou-se das operações de saída para as de entradas, ensejando, em face disso, a criação de dispositivos legais a dar suporte jurídico a técnicas de auditoria empregadas na detecção desse ilícito.

Nesse contexto, o Art. 146, em seu § 9º. definiu quatro formas objetivas de detectar omissões de entradas, distribuídas em três incisos, que consistem, basicamente em adaptações de algumas hipóteses de omissão de receitas para a ótica das omissões de entradas.

Vamos a elas.

1. Custo do Estoque Disponível inferior às Saídas a Valor de Custo mais Estoque Final:

A lógica dessa presunção é comparar, para cada mercadoria, o valor do inventário inicial somado ao valor total das aquisições (estoque disponível) com o valor total das saídas dessa mesma mercadoria mais o valor do seu  estoque final, tudo isso avaliado a valor de custo:

§ 9.º Caracteriza-se omissão de entrada ou de aquisição de serviços sujeitos à incidência do ICMS a ocorrência dos seguintes fatos:

I - diferença a menor entre o valor do estoque inicial de mercadorias somado ao custo das entradas de mercadorias e o valor do estoque final somado às saídas de mercadorias avaliadas pelo valor de custo, por item de estoque

Esta presunção, portanto, baseia-se na equivalência entre custos totais de entrada, saída e estoques: por definição matemática, sempre que se utilize o custo histórico como base de valor para registros das transações e dos estoques, a equivalência dos termos da equação deve ser atendida, isto é, “Estoque Inicial mais Entradas” deve ser igual a” Estoque Final +  Saídas”, tudo mensurado a valor de custo, não em quantidades.

Trata-se, na verdade, de análise que usa a clássica equação do levantamento quantitativo de estoques, só que considerando, em vez das quantidades de mercadorias movimentadas ou estocadas, o seu respectivo valor total de custo.

Essa máxima é usada na memória de cálculo de controle de estoques conhecido como Ficha Kardex, largamente usada como instrumento gerencial e de altíssima difusão na literatura contábil e comercial.

Tal como no caso do levantamento físico, as diferenças da equação que resultem em valores negativos, em termos monetários, podem ser interpretadas como de Omissão de Entradas de Mercadorias.

2. Pagamentos não identificados ou indevidamente contabilizados

Aqui estamos falando de uma adequação, como omissão de entradas, do texto similar relativo à nova presunção de omissão de saídas prevista no inciso X do § 7º (depósitos bancários não comprovados).

II - existência de pagamentos sem registro contábil ou não registrados como quitação de direitos de fornecedores, em relação aos quais o titular ou preposto, regularmente intimado a prestar informações, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a aplicação integral dos recursos utilizados nessas operações;

2.1 As premissas do novo inciso

A lei reuniu, na verdade, duas hipóteses em um só inciso:

a)     pagamentos não contabilizados, principalmente constantes de extratos bancários (embora não expresso), cujo destino dos recursos não seja comprovadamente identificado pelo contribuinte;

Na legislação federal, assim como na de várias unidades federadas, os pagamentos não contabilizados são considerados um tipo de omissão de receita autônoma, sem necessidade de serem levados à conta Caixa para verificar a existência de eventuais saldos credores.

A premissa é de que tais pagamentos foram feitos com recursos oriundos de receitas mantidas à margem da escrituração, considerando-se como base de cálculo da infração o valor total omitido dos registros contábeis.

Contudo, o legislador cearense preferiu, tendo em vista as peculiaridades da economia e da tributação local acima mencionadas, capitular esse tipo de omissão sob a ótica da aplicação dos recursos (compra omitida) e não, da origem do recurso (receita omitida que possibilitou o pagamento da compra).

 Perceba-se que, a partir das presunções da nova lei, um pagamento não registrado na escrita contábil ou no livro Caixa Analítico, pode ter tipificação ainda mais diversificada, a depender do contexto do caso concreto sob análise.

 Portanto, materializa-se a hipótese de omissão de entrada referida neste artigo, se a natureza do pagamento não for devidamente identificada. Entretanto, comprovado o destino do recurso, o referido valor pago poderá:

-       caracterizar aquisição de serviço ou mercadorias sem notas fiscal, conforme vedação do art. 51. do Decreto 35.061/2022, se comprovado que se trata de operação ou prestação de serviço sujeita à incidência do ICMS desacobertada pelo respectivo documento fiscal, aplicando-se a penalidade prevista no Art. 123, III, alínea “a”, item 1 (Lei 12.670/96) ou Art. 177, III, alínea “a”, item 1 (Lei 18.665/2023), para infrações cometidas a partir de 01/01/2024.

-       caracterizar a omissão de entradas prevista no inciso III do § 9.º do Art. 146 ( vide item 3 deste texto);

-       configurar-se prova da existência de Ativo Oculto, caso o objeto do desembolso preencha os requisitos para ser considerado um ativo e se a empresa mantiver escrita contábil regular, exceto na hipótese do Art.51, mencionada no item anterior;

-       evidenciar a prática de passivo fictício, quando constatado que deriva de obrigação cujo valor integra saldo de rubrica componente do Balanço Patrimonial.

-       ser lançado na reconstituição dos saldos da conta Caixa, caso não se trate de valor lançado em extrato bancário;

-       compor o rol de pagamentos do levantamento do Fluxo de Caixa, nos demais casos.

 

b)     pagamentos indevidamente contabilizados: neste último caso, exige-se que os registros sejam fidedignos em relação à natureza das transações efetuadas, no intuito de se evitar o artifício contábil de escriturar pagamentos a fornecedores decorrentes de compras sem nota fiscal disfarçados de quitações de outra natureza. A esse respeito, as Normas Brasileiras de Contabilidade, por meio de Interpretação Técnica Geral, estabelecem que o lançamento contábil deve representar a essência econômica da transação (vide NBC ITG 2000 (R1) – Escrituração Contábil, item 5, “e”).

3. Diferença entradas praticadas versus entradas registradas

Este inciso é mera adaptação de texto semelhante, relativo à presunção de omissão de receita constante na primeira parte do inciso IV do §7º do Art. 146 (antigo inciso III do §7º do Art. 92 da Lei 12.670/96).

§ 9.º Caracteriza-se omissão de entrada (...)

III - diferença apurada pelo cotejo entre as entradas registradas e o valor das entradas efetivamente praticadas.

Tal como nas presunções de omissões de receitas, em interpretação conjunta com o Art. 133 e 134 já mencionados, a medida visa alcançar operações de entradas omitidas, detectadas em documentos ou registros comprobatórios das aquisições, que contenham elementos de declaração ou de contrato firmado pelo sujeito passivo, inclusive meios extrafiscais de controle de entradas de mercadorias ou aquisição de serviços, armazenados eletronicamente ou em papel, em quaisquer tipos de mídia ou equipamento de uso não fiscal.

Outra situação de materialização desta hipótese de omissão de entradas se daria pela constatação de desembolsos não contabilizados em que o destinatário do pagamento fosse identificado e se tratasse de fornecedor do contribuinte auditado ou que pratique atividade econômica compatível com as operações ou prestações deste, diferentemente da situação prevista na parte inicial do inciso II do § 9.º, em que a natureza da aplicação do recurso não se torna conhecida.

Observe-se que a redação do dispositivo não replicou como omissão de entradas a segunda hipótese presente na parte final do mesmo inciso IV do §7º adaptado (confronto entre os registros contábil e fiscal), provavelmente em razão da criação da segunda presunção do inciso II, já comentada (vide item “b” acima, pagamentos indevidamente contabilizados).

Vale ressaltar, ainda, que as omissões de entradas tipificadas conforme as hipóteses previstas na nova lei somente poderão ser objeto de lançamento de crédito tributário em relação às infrações praticadas a partir deste ano, aplicando-se a penalidade específica prevista no Art. 177, III, alínea “a”, item 1 (Lei 18.665/2023).

No próximo artigo, trataremos do estabelecimento de novos procedimentos e presunções envolvendo alguns aspectos dos levantamentos fiscais ou contábeis e seu respectivo tratamento tributário.

Até lá!

Autores
Albanir Ramos
ICMS Ceará Impostos Arrecadação Ficalização Auditoria Fiscal Auditoria