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Publicado em: 10/12/2014

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Refis é usado por 45% das grandes empresas

Os parcelamentos e anistias de tributos oferecidos pelo governo federal tornaram-se comuns para o dia a dia das grandes empresas. Levantamento do escritório Machado Associados mostra que das 35 maiores companhias abertas, pelo menos 16, ou seja, 45%, já aderiram a algum parcelamento ou pagamento facilitado de tributos, entre os chamados Paes, Paex e as várias versões de Refis.

Para tributaristas, o número mostra não somente o quanto o instrumento tornou-se frequente, mas também reflete a demora existente para definição das discussões tributárias.

"O Refis tornou-se um substantivo, um nome comum", diz Everardo Maciel, hoje consultor e ex-secretário da Receita Federal, que em 2000 idealizou e lançou o grande parcelamento de tributos federais pioneiro, no governo de Fernando Henrique Cardoso. "Mas Refis só existiu um", diz ele, diferenciando a sigla do Programa de Recuperação Fiscal, lançado há 14 anos, das iniciativas mais recentes, como o Refis da crise e o Refis da Copa, reaberto no mês passado e cuja adesão foi até o dia 1º.

Na época uma novidade e considerados extraordinários, diz Maciel, os programas de estímulo ao pagamento de tributos se tornaram algo comum e esperado. "Hoje, as empresas aguardam o próximo parcelamento para resolver alguma questão tributária. Isso já faz parte das expectativas."

Luís Rogério Farinelli, sócio do Machado Associados, diz que a proporção de empresas que aderem a parcelamentos e programas semelhantes revelados pela amostra refletem a realidade. O trabalho do escritório de advocacia levou em conta as demonstrações consolidadas encerradas em dezembro de 2013. O levantamento das maiores empresas de capital aberto por receita líquida foi feito pelo Valor Data.

Entre as empresas que aproveitaram esse tipo de programa estão Braskem, Eletrobras, Pão de Açúcar, CSN, Cosan, CPFL Energia, Embraer, Embratel, Latam Airlines, Light, Neoenergia, Oi, Petrobras, Usiminas, Vale e Via Varejo.

Farinelli lembra que é possível que outras empresas, dentro do universo pesquisado, tenham aproveitado parcelamentos ou pagamentos incentivados de tributos federais há mais tempo, mas que, já saldados, não constem mais das demonstrações das empresas. Para ele, a amostra reflete bem a adesão das empresas a esses programas de estímulo ao pagamento de impostos e contribuições.

"Tornou-se um instrumento aguardado pelas empresas e que é visto como oportunidade para baixar provisões, solucionar pendências e limpar balanços", diz Farinelli. As divergências entre Fisco e empresas, diz, dão origem a discussões judiciais ou administrativas que demoram muito a ser solucionadas. Em outras ocasiões, as decisões existentes são controversas ou o quadro de julgamentos muda de uma hora para outra e fica com tendência desfavorável às companhias. "A decisão é sempre tomada depois de se medir o custo-benefício da adesão."

Para o tributarista, facilidades adicionais que trazem vantagens tributárias, como a possibilidade de baixar as provisões e deduzir do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) não somente a parte relacionada ao principal do débito, mas também multas e juros, mesmo que alvo de anistia ou remissão, elevam o benefício de aproveitar os parcelamentos e facilidades oferecidos.

Outra vantagem também dada mais recentemente é a possibilidade de pagar ao menos parte dos débitos com prejuízos fiscais de IR ou bases negativas, como são chamados os créditos gerados quando as empresas fecham o balanço no vermelho, nos critérios fiscais. No universo das 35 empresas levantadas pelo Machado Associados, 20 registravam em dezembro de 2013 esses créditos de prejuízos fiscais e bases negativas. Juntos, as empresas somavam créditos acima de R$ 13 bilhões.

O uso de prejuízos fiscais de IR e bases negativas de CSLL, diz, é limitado, na regra geral, a 30% do lucro. Os parcelamentos e pagamentos incentivados são vistos, por isso, diz Farinelli, como uma boa chance de monetizar esses créditos.

A Braskem, por exemplo, usou prejuízos fiscais de bases negativas para saldar integralmente os parcelamentos dentro do Refis reaberto em novembro. Segundo comunicado da empresa, o valor total dos débitos a serem quitados é de cerca de R$ 1 bilhão, sendo certo que a quitação se dará com o pagamento em espécie de 30% do valor devido e o saldo remanescente com créditos de IR e CSLL calculados sobre o saldo de prejuízos fiscais acumulados até 31 de dezembro de 2013.

Outra empresa que divulgou a adesão ao pagamento incentivado foi a Vanguarda Agro. A empresa comunicou ter pago R$ 19,2 milhões à Receita Federal referente a aproximadamente 30% do saldo do devedor de suas dívidas tributárias. Diz também que usou créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL no valor de R$ 41,9 milhões para quitação do saldo remanescente. A empresa já tinha divulgado, na publicação dos resultados do terceiro trimestre, que iria aderir ao programa.

Para Maciel, as divergências tributárias entre empresas e Receita Federal não são resultado de complexidade do sistema de impostos e contribuições. Grandes temas e questões tributárias existem no mundo inteiro, argumenta o ex-secretário. São exemplos, diz ele, discussões atuais como a tributação da economia digital e sobre a renda.

"Na verdade existem no país questões tributárias que são descuidadamente deixadas de lado", diz. Há pouca clareza para os contribuintes, o que gera divergências e pendências. São exemplos bons, diz Maciel, os direitos creditórios do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a dedutibilidade do ágio no IR.

O ágio de transações entre empresas ligadas, os preços de transferência e a tributação de lucros no exterior estão entre os temas que mais geraram adesão aos programas federais de estímulo ao pagamento de tributos, diz Farinellli. Para ele, apesar de ter se tornado recorrente, a fórmula não deve perder fôlego tão cedo.

Segundo ele, as discussões tributárias são frequentes e sempre representativas entre as grandes empresas. Além disso, argumenta, há muitos temas que ainda aguardam decisão definitiva, em âmbito administrativo ou judicial. "Isso faz com que as empresas sempre tenham grandes discussões que podem tornar um parcelamento ou anistia interessante."

Fonte: Valor Econômico