ARTIGO | Crédito de ICMS Energia Elétrica e adicional de ICMS para o FECOP - uma análise do "Projeto Energia Elétrica"
Por Ubiratan Machado de Castro Júnior*
Em abril de 2017, a Célula de Planejamento e Acompanhamento (CEPAC) da Coordenadoria da Administração Tributária (CATRI) da SEFAZ/CE lançou um projeto destinado aos executores das ações fiscais denominado "Projeto Energia Elétrica", que tem como escopo recuperar o ICMS referente à energia elétrica consumida creditado indevidamente pelos contribuintes do imposto.
Uma das metas específicas do projeto é impor que as autoridades fiscais do Estado devem intimar os contribuintes que tenham se creditado do adicional do ICMS que tenha incidido em operações de energia elétrica destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) a estornar o mesmo, devendo recolher ao erário o imposto, em tese, creditado indevidamente.
O adicional de ICMS com destino a tais fundos consta em uma autorização da Constituição Federal, que autoriza aos entes tributantes do ICMS a instituir a alíquota adicional de até dois pontos percentuais (CF, ADCT, art. 82, § 1º).
Destaca-se que o referido adicional, como previsto na própria Magna Carta, não é um tributo diverso, mas sim um suplemento do próprio ICMS que, de forma excepcional, tem o produto de sua arrecadação destinado a fundo específico, o que não descaracteriza a sua natureza tributária de imposto, dado que a própria CF autoriza a vinculação da receita de impostos em situações específicas (CF, art. 167, IV). Destarte, o adicional do ICMS destinado aos fundos de combate a pobreza instituídos pelos Estados e DF sujeitam-se às regras ordinárias do ICMS estatuídas na Constituição.
Um dos traços característicos do ICMS é que este deve se sujeitar à regra da não-cumulatividade, que gera o direito ao contribuinte se creditar do imposto pago nas operações e prestações anteriores. Ressalte-se que este é um direito constitucional dos contribuintes do imposto, cujo regime de compensação é disciplinável exclusivamente por lei complementar federal (CF, art. 155, §2º, XII, "c").
Segundo a Lei Kandir (LC 87/1996), lei complementar federal que confere diversos disciplinamentos ao ICMS nos termos do artigo 155, §2º, XII, da Constituição Federal, determina que o direito a crédito da entrada de energia elétrica no estabelecimento é dado a) quando for objeto de saída de energia elétrica; b) quando consumida no processo de industrialização; c) quando seu consumo resultar em operação ou prestação ao exterior e; d) a partir de 2020, para todas as demais hipóteses (LC 87/1996, art. 33, II). Quaisquer outras restrições ao crédito de ICMS relativo à entrada de energia elétrica nos estabelecimentos que porventura sejam impostas pela legislação tributária estadual são absolutamente ineptas, inclusive às relativas ao adicional de ICMS destinado ao FECOP.
Sustenta, contudo, a administração fazendária do Estado do Ceará, que os contribuintes não tem o direito ao crédito do adicional de ICMS Energia Elétrica destinado ao FECOP em razão de alteração na legislação tributária.
O decreto estadual nº 27.317/2003, que estabelecia procedimentos relativos ao cálculo e recolhimento do adicional de ICMS FECOP, previa, em seu artigo 6º: "O adicional do ICMS referente ao fornecimento de energia elétrica de estabelecimento industrial é compensável com o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadoria com o montante cobrado nas anteriores, inclusive nas operações para o exterior ou tributadas sob o regime de substituição tributária". Tal regulamento fora revogado pelo Decreto nº 31.894/2016, que o substituiu.
O novo regulamento estadual do adicional do ICMS não previu, de forma expressa, disposição similar, fato este interpretado pela administração fazendária como uma revogação do direito ao crédito de ICMS FECOP relativo às aquisições de energia elétrica. Tal posicionamento é enganoso, uma vez que esta prerrogativa é garantida pela constituição nos termos da lei complementar federal. O crédito do ICMS é um direito constitucional dos contribuintes, e não pode ser tratado pelas administrações tributárias como uma concessão, um favor fiscal.
A administração fazendária pretende, com o referido projeto, determinar que as autoridades fiscais executoras dos mandados de monitoramento fiscal intimem os contribuintes industriais a estornar (ilegalmente) o crédito referente adicional de ICMS FECOP nas aquisições de energia elétrica, sob pena de lavratura de auto de infração com cobrança do imposto não estornado. Infelizmente, os idealizadores do projeto não estão sensíveis ao desconforto, dúvidas e inseguranças causados aos colegas auditores fiscais da receita estadual que estão recebendo tais determinações. Os contribuintes, por sua vez, certamente não aceitarão tais intimações sem questionar seus genuínos direitos, os quais, repita-se, são constitucionais.
(*) Diretor para Assuntos Jurídicos da Associação dos Auditores e Fiscais da Receita Estadual do Ceará (AUDITECE, Diretor Executivo do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Ceará (AUDITECE SINDICAL)