OPINIÃO: A importância da atividade de Auditoria Fiscal e da cobrança da Dívida Ativa para o Estado do Ceará
Ubiratan Machado de Castro Júnior
Na manhã do dia 03 de maio de 2016, celebraram-se no auditório da SEFAZ/CE os 10 anos da criação da antiga Célula de Auditoria Fiscal (CEAUD), hoje denominada como CESEC (Célula de Gestão dos Segmentos Econômicos). Indubitavelmente uma merecida homenagem ao órgão e aos auditores fiscais que têm exercido a tarefa de auditar os médios e grandes contribuintes situados do Estado do Ceará (ressalvados os denominados macrossegmentos econômicos – energia, comunicação e combustíveis) e, se for o caso, constituir os devidos créditos tributários. Discursaram o presidente da AUDITECE – Juracy Soares –, o atual Orientador da CESEC e seus antecessores, o Secretário da Fazenda responsável pela criação da CEAUD – José Maria Mendes –, e o atual Secretário Adjunto da Fazenda – João Marcos Maia. Dentre todos os discursos ministrados, gostaria de tecer alguns comentários acerca do último.
João Marcos em sua fala, pautada de certa ótica messiânica e visionária, muito comentou acerca, por exemplo, de necessidade de qualificação, de novos métodos, de modernidades. Confesso que muito me agradou a sua defesa acerca do teletrabalho, em que afirmou “eu não preciso mais sair da minha casa para fazer o meu trabalho, essa é a tese que eu defendo”. Entretanto, admito também que senti durante parte do discurso um profundo incômodo em dado momento, em que o secretário adjunto proferiu as seguintes palavras:
“Eu não preciso mais estar fiscalizando o contribuinte que praticou um ato fiscal há cinco anos atrás. Se naquela época ele sonegou, por qualquer razão, ou pra enriquecer ou pra competir, seja lá qual motivo, se não pode pagar naquela época, chega um fiscal cinco anos depois dobra o ICMS, já se passaram cinco anos da ocorrência do fato gerador. Vai pro CONAT, leva mais três, cinco anos, dez anos da ocorrência do fato gerador. Vai para execução, mais cinco, dez anos, quinze, vinte anos da ocorrência do fato gerador, quem é que consegue pagar uma dívida dessa? (...) Aí eu fico inchando a dívida ativa “ah eu tenho seis bilhões de dívida ativa para receber” não vale um tostão furado, vai no mercado vender se você pega ao menos dez por cento desse valor. Os estados que foram ao mercado vender esse ativo, cujo valor de face no Estado do Ceará chega aos sete bilhões, ou um pouco mais, não consegue apurar quatrocentos milhões, vendendo, leiloando. Se eu dou um REFIS pego trezentos milhões, ora no REFIS mais promissor que nós tivemos conseguimos recurar quinhentos milhões, mas de oito bilhões! Então o que é que nós temos que fazer, irmãos? Mudar nossos métodos de trabalho”.
(Assista ao vídeo contendo o discurso acima mencionado aqui: https://youtu.be/lnP5Je5ORPM)
Neste momento, peço a devida vênia para discordar destas palavras e fazer meu contraponto.
Em meu íntimo sempre considerei a atividade de auditoria fiscal como uma atividade meio, e não uma atividade fim (muito embora a auditoria fiscal seja a atividade fim do Auditor Fiscal da Receita Estadual, percebam a diferença entre atividade fim do servidor e atividade fim do órgão). Por que seria auditoria fiscal uma atividade meio? Ora, se a finalidade da Secretaria da Fazenda é, em matéria de receita, arrecadar tributos, o exercício da atividade de auditoria fiscal é uma forma de garantir que o contribuinte cumpra com todas as suas obrigações tributárias espontaneamente, sendo o risco de ser auditado e autuado o responsável por esse estímulo. O que torna a auditoria fiscal – atividade que visa a constituir de ofício os tributos devidos e não recolhidos e a combater a evasão fiscal – um meio de garantir a arrecadação tributária, uma vez que a percepção do risco por parte do contribuinte estará presente, na medida em que este perceba a presença do Estado fiscalizando sua atividade econômica.
Podemos dizer que funciona de forma similar a outras atividades de fiscalização realizadas pelo Estado. A atividade de fiscalização ambiental tem por objetivo a preservação do meio ambiente, a atividade de fiscalização do trânsito a de garantir um trânsito mais seguro e não de arrecadar multas (pelo menos em tese). O objetivo das blitz que fiscalizam motoristas alcoolizados não é apenas interceptar motoristas embriagados, mas principalmente estimular as pessoas não beberem e dirigirem. É óbvio que as fiscalizações de trânsito não conseguirão punir todos os infratores, mas é fato que quanto mais blitz com bafômetro houver, certamente menos condutores dirigirão após o consumo de álcool.
Embora o impacto da auditoria fiscal no recolhimento espontâneo dos tributos seja algo de difícil mensuração, certamente é consenso, entre a maioria das pessoas, que quanto mais se fiscalizar, menos se sonegará, ainda que o Estado não consiga punir todos os sonegadores, mesmo que nem todos os créditos tributários constituídos, inscritos ou não inscritos na dívida ativa, não se convertam efetivamente em renda ao Erário.
O que o Estado não pode é aceitar sonegação e impunidade, se o contribuinte sonegou hoje ou sonegou há quatro, cinco anos, é dever do Estado, através da Secretaria da Fazenda e de seu corpo de auditores fiscais, trabalhar para recuperar os créditos tributários. E se sonegou há cinco anos urge o cumprimento do dever para evitar a decadência. O pretexto da probabilidade de insucesso na arrecadação dos montantes lavrados em autos de infração não é o bastante para que o Estado abra mão de seu poder-dever.
Não há dúvidas que políticas amigáveis de negociação de créditos tributários, como o REFIS, não são meios eficazes de arrecadação, sobretudo quando são realizadas de forma periódica e continuada, uma vez que o mesmo reduz a percepção de risco do contribuinte e desmoraliza a própria atividade estatal, ao ponto de contribuintes chegarem a afirmar ao auditor fiscal em diversas ocasiões “vou esperar o próximo REFIS para pagar ou parcelar este auto de infração”.
Por fim, falemos sobre dívida ativa, aquela que “não vale um tostão furado”. Em minha singela opinião, um ativo de quase oito bilhões de reais vale muitos tostões. Mas qual é o tratamento que o Estado está dando a esse patrimônio tão elevado e relevante?
A administração pública, inclusive a tributária, é pautada pelos princípios do caput do artigo 37 da Constituição, gostaria de destacar nesse momento os dois últimos: publicidade e eficiência.
Será que a cobrança da dívida ativa do Estado do Ceará está sendo realizada de forma eficiente? Qual quantidade de inscrições e seus montantes a Procuradoria Geral do Estado está atualmente propondo a ação de execução fiscal?
O Estado do Ceará, com base na lei de acesso a informação (Lei federal nº 12.527/2011 e lei estadual nº 15.175/2012), inaugurou o seu portal da transparência (www.transparencia.ce.gov.br), nele é possível acessar diversas informações acerca de receitas e despesas do Estado. É possível até acessar informações íntimas dos servidores públicos estaduais – que a meu ver deveriam ser protegidas pelo direito constitucional a intimidade e até mesmo sigilo bancário –, como sua remuneração bruta, suas deduções e ver até mesmo deduções com pagamentos de empréstimos consignados.
Ora, o Estado do Ceará, que é capaz de expor seus servidores públicos de forma transparente (e constrangedora), não expõe da forma que realmente merecem os sujeitos passivos com débitos inscritos em dívida ativa. Lembro inclusive que informações acerca de inscrições em dívida ativa não são abrangidas pelo sigilo fiscal (CTN, artigo 198, § 3º, II).
Destarte, eu acredito e defendo que todos os cidadãos tem o direito de saber o que se passa, em detalhes, com a cobrança da dívida ativa, saber quem são os devedores inscritos, os valores dos débitos e quantidade de inscrições, qual o montante de débitos que está atualmente em execução pela Procuradoria Geral do Estado e quantas delas estão sendo bem sucedidas tendo como consequência o pagamento da dívida. A ninguém, senão aos próprios devedores e a quem com eles colabora, interessa manter essas informações em segredo. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publica em seu sítio virtual a lista de devedores inscritos na Dívida Ativa da União, qualquer cidadão pode acessar esta informação (www.pgfn.fazenda.gov.br, clicar em Cidadão – Lista de Devedores).
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar federal nº 101/2000) também prevê em seu artigo 13 como medidas a serem adotadas que até trinta dias após a publicação dos orçamentos “as receitas previstas serão desdobradas, pelo Poder Executivo, em metas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa”. Será que o Estado do Ceará cumpre essa disposição legal? Procurei no portal da transparência essa informação, mas não encontrei.
Afinal, que meios o Estado do Ceará tem utilizado para cobrar a dívida ativa? Além de desconhecer a quantidade de ações de execução ajuizadas e seus montantes, há meios indiretos de cobrança que o Estado pode usar. A União, por exemplo, protesta em cartório as inscrições em sua dívida ativa com base na Lei federal nº 9.492/1997, Estados e Municípios estão autorizados por esta lei a fazer o mesmo, inclusive. A própria AUDITECE já fez propostas à Secretaria da Fazenda do Ceará no sentido de pressionar o devedor tributário a quitar os débitos inscritos.
O fato é que a gestão da dívida ativa deve ser realizada de forma eficiente e ter a devida publicidade. Omitir ou retardar indevidamente a cobrança da dívida ativa é crime de prevaricação (CPB, artigo 319), independente da probabilidade de sucesso da ação de execução. A dívida ativa é um patrimônio extremamente valioso e deve como tal ser tratado. Sobretudo em tempos de crise econômica e fiscal, o Estado não pode abrir mão das tentativas de realização deste ativo.
Auditor Fiscal da Receita Estadual, Pós-graduado em Direito Tributário, Mestre em Economia, Diretor de Assuntos Jurídicos da AUDITECE