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Publicado em: 26/04/2022

CLIPPING | Decisão do STF sobre ICMS de energia pode levar setor de combustíveis à Justiça

Os termos e argumentos da potencial ação envolvendo a alíquota do ICMS ainda são avaliados

BÁRBARA MENGARDO | FELIPE RECONDO

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir alíquotas majoradas de ICMS para energia elétrica e telecomunicações pode motivar outros setores a buscar a Justiça com pleitos semelhantes. O primeiro deles, conforme apurou o JOTA, pode ser o de combustíveis, sujeito a alíquotas superiores a 30% em alguns estados.

A discussão gira em torno do conceito de essencialidade, utilizado pelo Supremo para definir, em novembro de 2021, que energia elétrica e telecomunicações não poderiam estar sujeitos a alíquotas majoradas de ICMS . Na ocasião, a maioria dos ministros do STF considerou que, tendo em vista o princípio da seletividade, é inconstitucional a estipulação, no caso de energia e telecomunicações, de alíquotas superiores às voltadas às operações em geral. Pelo princípio da seletividade, a tributação pode ser maior ou menor, dependendo do quão essencial um bem ou serviço é para a sociedade.

Segundo apurou o JOTA, no governo, no Congresso e também na Petrobras se discute a possibilidade de ajuizamento de uma ação no STF questionando as alíquotas de ICMS definidas pelos governos estaduais sobre o preço dos combustíveis. Os termos da ação e os argumentos, entretanto, ainda estão sendo pensados. Avalia-se, ainda, quem seria o autor e se esta seria a melhor forma de atacar o problema.

Setor essencial

O pleito de redução das alíquotas, frente à essencialidade do setor de combustíveis, é vista como legítima por tributaristas. Para o advogado Luiz Roberto Peroba, sócio do Pinheiro Neto Advogados, pela decisão do STF, caso os estados não tragam nenhum condicionante ou justificativa à alíquota majorada, a elevação pode vir a ser considerada irregular. “É bem possível que logo surjam disputas sobre isso, que viriam de carona no que foi discutido no julgamento [pelo Supremo]”, diz.

Levantamento feito pela Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) mostra que a gasolina tipo C, normal ou aditivada, está sujeita a alíquotas que vão de 25% a 34% no Brasil. Os maiores percentuais estão no Rio de Janeiro (34%), Minas Gerais (31%) e Piauí (31%).

Já sobre o etanol hidratado, de acordo com o levantamento, a alíquota vai de 13,3% a 32%. O maior percentual, novamente, está no Rio de Janeiro, seguido pelo Tocantins (29%). Distrito Federal, Goiás e Sergipe cobram uma alíquota de 27%.

A alíquota base do ICMS em operações internas varia entre 17% e 18%.

A advogada Maria Fernanda Furtado, sócia do Trench Rossi Watanabe Advogados, afirma não ter dúvidas de que o setor de combustíveis pode ser considerado como essencial. Ela destaca que elevações no preço dos produtos são capazes de tornar toda a cadeia mais cara. “Assim como a distribuição da energia elétrica, combustíveis influenciam nos custos de transporte e nos custos de alimentação do trabalhador”, diz.

A tributarista destaca ainda que a Lei 7783/89, que trata do exercício do direito de greve, elenca como essenciais a “distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis”. A disposição consta no artigo 10, que define quais setores não podem ser totalmente interrompidos em caso de greve.

“Vimos recentemente, com a greve dos caminhoneiros, o impacto na distribuição e no abastecimento sobre as atividades brasileiras. O país parou”, afirma Maria Fernanda Furtado.

André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz), porém, expõe uma visão distinta. Para ele, a discussão relacionada a combustíveis é “completamente diferente da energia elétrica”. “Energia elétrica é energia limpa. Quando se está falando de combustível, está se falando de derivado de petróleo, com uma resistência internacional muito grande”.

Para ele, a redução da tributação sobre os combustíveis poderia ter impactos inclusive nas exportações, com parceiros comerciais, sobretudo os que aplicam uma tributação elevada sobre esse produto, vendo a movimentação com maus olhos. “Está se falando de um poluente que todo o mundo está procurando uma forma de contornar e substituir por outras formas de energia”, diz.

Segundo André Horta, os combustíveis correspondem a 18% da arrecadação de ICMS dos estados, parcela superior à de energia elétrica e telecomunicações.

Substituição tributária

O advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Mauler Advogados, destaca que, apesar de o Supremo ter decidido, sob o regime de repercussão geral, pela impossibilidade de cobrança de uma alíquota majorada de ICMS sobre energia e telecomunicações, caso outros setores procurem a Justiça, o precedente não será aplicado automaticamente. Isso porque, pela sistemática da repercussão geral, as decisões do STF devem ser aplicadas apenas a casos idênticos, e no caso do RE 714139 a tese firmada pelo Supremo se limitou a telecomunicações e energia.

“Tudo [no julgamento do RE 714139] é específico para telecomunicações e energia, sobre outros setores não se falou”, afirmou o advogado.

O tributarista ainda salientou que, apesar de o ICMS sobre combustíveis ser recolhido pela sistemática da substituição tributária, todas as empresas envolvidas na cadeia de produção, como refinarias e distribuidoras, poderiam ir à Justiça com ações individuais para tentar recolher o imposto pela alíquota base dos estados.

No regime de substituição tributária, a primeira companhia da cadeira recolhe o ICMS de forma antecipada, em nome das demais. O tributo, porém, é incluído no preço do produto.

Modulação

Outro elemento a ser observado caso uma ação envolvendo o ICMS de combustíveis chegue ao STF é a modulação dos efeitos. No caso do RE 714139, a Corte optou pela modulação “para frente”, com a decisão surtindo efeitos a partir de 2024.

No caso dos combustíveis, a modulação certamente será solicitada pelos governadores, sob o argumento de que é preciso evitar um choque repentino nas contas públicas. Para advogados, entretanto, o Supremo poderia optar por um caminho diferente ao julgar a situação dos combustíveis.

Para Luiz Roberto Peroba, após o julgamento do RE 714139, fica mais difícil aos estados utilizar o argumento de que foram pegos de surpresa com uma decisão desfavorável às contas públicas. “Esse julgado [envolvendo energia e telecomunicações] foi o primeiro sobre o tema, mas próximas discussões que já levem isso em consideração não pegarão os estados de surpresa”, diz.

“Os próprios estados estão sensíveis a esta questão do ICMS dos combustíveis, tanto que congelaram por alguns meses a base de cálculo do ICMS Substituição Tributária”, relembra Igor Mauler Santiago.

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BÁRBARA MENGARDO – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo. Antes de trabalhar no JOTA atuou no jornal Valor Econômico, tanto em São Paulo quanto em Brasília. Email: barbara.mengardo@jota.info
FELIPE RECONDO – Diretor de conteúdo em Brasília. Sócio-fundador, é responsável por todo o conteúdo produzido pelo JOTA. Autor de "Tanques e Togas - O STF e a Ditadura Militar" e de "Os Onze - O STF, seus bastidores e suas crises", ambos pela Companhia das Letras. Antes de fundar o JOTA, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, no blog do jornalista Ricardo Noblat. Email: felipe.recondo@jota.info

 

Fonte: JOTA