Pular para o conteúdo principal

Publicado em: 27/02/2014

Categoria

Artigo: A fragilidade das receitas em 2014

27/02/2014.

Por Ribamar Oliveira

Mesmo sem contar com uma receita equivalente à obtida com o bônus de assinatura do campo de petróleo de Libra, no pré-sal, que rendeu R$ 15 bilhões aos cofres públicos no ano passado, o governo estima arrecadar muito mais neste ano com concessões, royalties, dividendos de estatais e vendas de ativos, em seu conjunto. O decreto de programação orçamentária e financeira para 2014, divulgado na semana passada, prevê uma arrecadação de R$ 88,56 bilhões com essas quatro fontes, contra uma receita de R$ 75,66 bilhões obtidos em 2013 - o aumento será de R$ 12,9 bilhões.

A receita de Libra obtida no ano passado está sendo compensada neste ano, principalmente, pelos royalties e participações especiais do petróleo, da energia elétrica e de minérios e pelos dividendos das estatais. A previsão que consta do decreto da presidente Dilma Rousseff (8.197/2014) é de uma receita com royalties de R$ 47,97 bilhões, o que representa aumento de 31,6% em comparação com a obtida no ano passado. Quando elaborou a proposta orçamentária de 2014, a estimativa do governo era de R$ 43,64 bilhões. Ao discutir e votar o Orçamento de 2014, os parlamentares elevaram esse valor em R$ 4,3 bilhões e o governo aceitou. Até agora, não houve uma explicação oficial para um aumento tão grande da receita de royalties.

A previsão do decreto para a receita com concessões de serviços públicos neste ano é de R$ 13,45 bilhões, bem abaixo daquela registrada em 2013, que ficou em R$ 22,07 bilhões por causa do bônus de assinatura do campo de Libra. Na proposta orçamentária, no entanto, a estimativa do governo era de R$ 9,75 bilhões. Os parlamentares aumentaram esse valor em R$ 3,7 bilhões e o governo aceitou.

A principal concessão deste ano será a da telefonia celular 4G. O governo contava com uma receita de R$ 6 bilhões com essa concessão, de acordo com a proposta orçamentária.

Os repórteres Rafael Bitencourt e Leandra Peres, do Valor, publicaram a informação de que a Presidência da República determinou que o edital desta concessão não seja pautado somente em imposições de obrigações às empresas, pois isso reduziria a expectativa de receitas. A Presidência espera que tenha "um efeito arrecadatório". Assim, daria para chegar a uma receita de R$ 12 bilhões.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo trabalha com uma arrecadação em torno de R$ 7,5 bilhões com o 4G. O aumento, portanto, foi de R$ 1,5 bilhão em relação à estimativa inicial. Mas o ministro observou que há a previsão de R$ 12 bilhões do Ministério de Minas e Energia e que, portanto, há "uma margem" para essa receita que ainda não foi considerada no decreto.

Com dividendos das estatais, o governo prevê arrecadar R$ 23,9 bilhões em 2014, o que representa alta de R$ 6,79 bilhões em comparação com o valor obtido em 2013, crescimento de 39,6%. Na proposta orçamentária, a previsão era de R$ 21,03 bilhões. O valor foi elevado pelos parlamentares e o governo aceitou.

A receita com dividendos é uma espécie de variável de ajuste utilizada pelo governo. Quando necessita de mais arrecadação, ele repassa ao Tesouro mais dividendos de suas estatais, na qual tem participação de 100% (como é o caso do BNDES e da Caixa Econômica Federal). Em 2013, o governo recorreu pouco a essa alternativa, pois a receita com dividendos foi uma das menores dos últimos anos. Assim, ele poderá usá-la com mais intensidade em 2014.

Há um outro tipo de receita que vem aparecendo sempre na programação orçamentária e financeira do governo, mas que nunca se realiza. No ano passado, por exemplo, o governo estimou que teria uma receita de R$ 8,1 bilhões com operações com ativos, ou seja, venda de patrimônio da União. Mas não consta que qualquer centavo tenha entrado nos cofres do Tesouro por conta dessas operações.

Na proposta orçamentária de 2014, o governo estimou que a receita de operações com ativos ficaria em R$ 5,55 bilhões. O relator de receita da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, senador Eduardo Amorim (PSC-SE), levantou essa questão em seu parecer. Chegou a dizer que historicamente essa receita não se realiza. Inicialmente, ele propôs reduzi-la a zero. Depois foi convencido pelo governo de que "no presente haverá condições mais favoráveis de realizar tais alienações, tendo em vista modificações operadas na estrutura operacional de gerenciamento e controle desses bens". Mesmo assim, ele reduziu a previsão dessa receita para R$ 3,21 bilhões na lei orçamentária.

O decreto de programação orçamentária e financeira não especifica o valor da receita de operações com ativos, mas certamente a previsão da lei orçamentária foi mantida, pois o ministro Mantega, em sua exposição na semana passada, informou que a previsão da receita não administrada (onde estão incluídos os valores de concessões, royalties, dividendos e operações com ativos) ficou em R$ 176,8 bilhões - o mesmo valor definido pelo senador Amorim.

A análise das previsões das receitas com concessões, dividendos, royalties e operações com ativos mostra a fragilidade das contas que foram feitas para se chegar aos valores colocados na lei orçamentária e no decreto de contingenciamento. A meta fiscal de superávit primário de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor público em 2014 depende de que essa receita se realize efetivamente.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

 

Fonte: Valor Online