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As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 26/03/2024

Home Office e Semana de Quatro Dias Úteis

 

“Não há sucesso profissional que compense o fracasso no lar”.

 

A aceleração exponencial que a pandemia impôs a inúmeros processos – migrando-os para o digital – derrubou tabus na mesma velocidade. Dentre esses, o de que o trabalho remoto ou home office era algo inviável ou que entregaria poucos resultados e serviços precarizados. O que se vê, olhando agora para o que foi alcançado, é um conjunto de pontos positivos.

 

O conceito antes idolatrado (ou imposto pelas chefias) daquele profissional workaholic como um valor positivo vem perdendo força, especialmente entre os trabalhadores mais jovens e qualificados. Para muitos, os principais fatores que pesam na escolha da próxima empresa é – cada vez mais – a possibilidade de trabalhar com jornadas flexíveis, remotamente e com mais benefícios, ao mesmo tempo em que desprezam culturas empresariais tóxicas.

 

Matéria publicada pelo Portal G1, intitulada “Mais da metade dos trabalhadores estão dispostos a buscar um novo emprego para sair do modelo 100% presencial[1]” repercute levantamento da consultoria Robert Half que aponta para o fato de que “cerca de 57% dos trabalhadores se dizem dispostos a procurar um novo emprego, caso a empresa atual decida voltar integralmente ao modelo presencial”.

 

O teletrabalho também gera ganhos até mesmo para as instituições públicas. Estudos apontam que o teletrabalho gerou uma economia bilionária aos cofres públicos. Um levantamento do Ministério da Economia, publicado em 2021, apontou que, só na Administração Pública Federal, entre os meses de março de 2020 e junho de 2021, a economia superou a cifra de R$ 1,4Bi[2].

 

Ao tratarmos da questão produtividade, é importante salientarmos que há diversos estudos apontando para ganhos com a adoção do modelo. O artigo Tendências do home office no Brasil[3], publicado pela FGV, de autoria dos pesquisadores Stefano Pacini; Rodolpho Tobler; e Viviane Seda Bittencourt, indica:

 

Outra questão abordada na pesquisa com as empresas foi em relação à percepção dos impactos na produtividade. Em 2021, cerca de 21,6% das empresas que adotaram home office observaram aumento na produtividade dos colaboradores enquanto 19,4% apontavam redução. Em 2022, a proporção de empresas que notaram aumento da produtividade de seus colaboradores aumentou para cerca de 30%, 8 pontos percentuais a mais do que no ano anterior, enquanto as que avaliam que houve perda de produtividade diminuiu para 10,2%.

 

Além da redução de gastos na operação e ganhos de produtividade, é importante falarmos sobre a melhoria na qualidade de vida. O mesmo estudo acima citado também conclui que o home office traz melhorias significativas na qualidade de vida dos trabalhadores.

 

Ainda assim, alguns proprietários de grandes empresas passaram a defender fortemente o retorno ao trabalho 100% presencial. No artigo “As razões por que executivos pressionam pela volta do trabalho presencial nos 5 dias da semana[4]”, publicado pela BBC News Brasil tem-se a seguinte constatação:

 

Anos de dados pós-pandemia demonstraram que o trabalho híbrido e remoto funciona. Pesquisadores concluíram que os profissionais mantêm sua produtividade e podem ajudar as empresas a ter lucro. E existem também fatores intangíveis que desenvolvem a lealdade dos funcionários, como o melhor equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho.

 

Na ponta contrária, estão alguns empresários de peso, como o CEO da Tesla, Elon Musk. Ainda de acordo com a matéria acima indicada, Musk teria emitido um ultimato em 2022, ameaçando com demissão aqueles colaboradores que não retomassem sua jornada presencialmente.

 

O professor da Universidade Stanford, Nicholas Bloom, afirma que a postura de CEOs como Musk, frente ao trabalho remoto, refletem, basicamente, autoritarismo e arrogância. Esse tipo de abordagem contraria o sentimento de seus colaboradores, além dos anseios levantados nas pesquisas.

 

Para Bloom, "No longo prazo, o desempenho melhora mantendo os funcionários felizes e reduzindo os custos de retenção e contratação. As pesquisas mostram com muita clareza que, para os profissionais e para os gerentes, o trabalho híbrido é lucrativo para as empresas."

 

Em vez de estarmos debatendo a manutenção do home office ou retorno ao presencial, deveríamos estar desenvolvendo uma nova modelagem a fim de viabilizar a redução da quantidade de dias úteis na semana, de 5 ou 6 para 4 dias. Mas, para introduzirmos esse tema, temos que voltar ao início do século passado.

 

Henry Ford foi um visionário e mudou o mundo corporativo para os padrões que usamos hoje. E, cem anos depois, estamos atrasados para empreendermos uma nova revolução industrial. No início do século XX, com o objetivo de reter sua recém-formada mão-de-obra especializada, Ford inovou ao dobrar os salários de seus operários. O salário dos trabalhadores da Ford passou para US$ 5 a hora[5]. Além disso, a jornada de trabalho foi reduzida de nove horas para oito horas/dia.

 

Uma década depois, mais precisamente em 1926, Henry Ford foi novamente pioneiro e decidiu reduzir a semana de trabalho – em suas fábricas - de seis para cinco dias. E o fez sem reduzir o salário de seus empregados.

 

 

O modelo 100-80-100

 

No mundo, já são quase 500 companhias que atualmente conduzem experimentos aplicando a jornada na qual o trabalhador continua percebendo 100% do salário, trabalhando 80% do tempo e se comprometendo a manter 100% de produtividade. Esse modelo passou a ser chamado de 100-80-100. Essa é a matéria do artigo intitulado “Semana de 4 dias de trabalho começa a ser testada no Brasil; veja empresas participantes[6]”, publicado pela InfoMoney em janeiro de 2024.

 

Pesquisa conduzida pela Pearson revelou que 76% dos trabalhadores estão repensando suas carreiras[7]. E um estudo publicado pela Revista Exame aponta que o burnout impõe custos de cerca de US$ 80 bilhões no Brasil e cerca de US$ 300 bilhões em todo o mundo[8].

 

 

Uma semana de quatro dias seria viável hoje em dia?

 

O Brasil já tem experimentos voltados a testar o modelo da semana de 4 dias[9]. O projeto piloto da "4 Day Week Brazil", parceira no Brasil da "4 Day Week Global", desenvolve experimentos sobre a jornada de trabalho no mundo. Dentre os benefícios e vantagens observados, a pesquisa revelou, como pontos positivos, entre outros: diminuição de faltas; fim de semana prolongado; estratégias de produtividade; e saúde mental em dia.

 

Há alguns poucos dias, no dia 20 de março de 2024, a revista Você S/A publicou matéria intitulada “Semana de quatro dias: modelo continua funcionando para empresas que o testaram há um ano[10]”, na qual aponta que – das empresas que participaram do experimento no Reino Unido, a maioria deu continuidade à jornada de trabalho reduzida. Dentre os resultados alcançados pela experiência, a matéria detalha:

 

43% dos colaboradores relataram melhora na sua saúde mental, e 55% foi o aumento na produtividade no período. Dos entrevistados, 90% afirmaram que querem continuar no modelo, e 15% chegaram a dizer que não voltariam para a semana de cinco dias nem por um salário maior. E o turnover despencou 57%.

 

Agora paremos para pensar: Para o trabalhador que cumpre uma jornada de trabalho de 2ª a 6ª feira mais as quatro horas aos sábados, sobra o que para viver? Não faz sentido sermos uma nação de zumbis que passam mais horas trabalhando do que vivendo.

 

Some-se a isso o tempo de deslocamento casa>trabalho>casa, que pode consumir até uma hora e meia, por dia. Isso resulta em algo entre oito e nove horas inúteis, nas quais a vida permanece em suspensão, sem produção ou lazer.

 

Especialmente em pleno 2024, com todo o avanço de rotinas robotizadas, não faz o menor sentido ficarmos presos a padrões criados em plena revolução industrial, pensada no início do século XX, quando sequer se sonhava com computadores.

 

A tecnologia deve ser um suporte para viabilizar mais conforto e qualidade de vida aos humanos. Em contrapartida, a redução da jornada se impõe como uma necessidade em termos de saúde mental. Ao insistirmos na obrigação de cumprirmos uma jornada de 5 a 6 dias por semana, em turnos de 8 horas por dia, estamos dando prova de que estamos usando de modo pouco inteligente os recursos que a mente humana desenvolveu até aqui.

 

A Organização Mundial da Saúde – OMS aponta que o Brasil é o país com o mais elevado índice de ansiedade do mundo[11]. Para a OMS, "A maior parte da população do Brasil tem pouco acesso a serviços de saúde mental, muitas horas de trabalho por dia, inseguranças quanto ao futuro e pouca qualidade de vida. Todos esses fatores trazem sentimentos de medo, preocupação e angústia." (g.n.)

 

O estudo intitulado: ‘O trabalho em causa na "epidemia depressiva[12]”’ aponta que o sofrimento social - particularmente quando se manifesta na forma da depressão - é inerente à atual configuração do mundo do trabalho e afeta às mais diversas ocupações profissionais, todas elas marcadas pela sobrecarga de trabalho.

 

Uma compilação de estudos sobre os motivos que geram ansiedade e depressão a partir do trabalho foi publicada pela revista Você S/A sob o título: “O mito da resiliência e o caminho até o burnout[13]”.  A matéria, de autoria da Caroline Marino traz como subtítulo: “O mantra de que ser resiliente é aguentar a pressão, encarar o excesso de trabalho e aturar chefes insensíveis traz sérias consequências”.

 

A publicação traz recortes de estudos que avaliaram o estabelecimento de metas além da realidade e a consequente pressão pelo seu alcance:

 

Algumas análises científicas mostram que a maioria das pessoas perde muito tempo persistindo em objetivos irreais, um fenômeno chamado síndrome da falsa esperança. Mesmo quando comportamentos passados sugerem claramente que é improvável que as metas sejam atingidas, o excesso de confiança e um grau acima da média de otimismo fazem com que as pessoas desperdicem energia em tarefas inúteis. Isso, levado ao limite, gera problemas de saúde sérios.

 

No início de março de 2024, a República.Org publicou um artigo de autoria da pesquisadora Cinthia Assis, Mestre em Políticas Públicas na Hertie School em Berlim. O artigo intitulado “SAÚDE MENTAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS: DO TABU AOS PRIMEIROS PASSOS[14]” aborda diversas questões de como a saúde mental dos servidores públicos emerge como um desafio crítico. O levantamento chega a expor que:

 

Em âmbito federal, nos últimos 7 anos, 15 mil servidores federais foram afastados por transtornos mentais. Quando ampliamos a análise para estados e municípios, torna-se evidente que profissionais diretamente envolvidos com o atendimento à população, como professores, profissionais de saúde, policiais e agentes de segurança pública enfrentam maior incidência de transtornos mentais.

 

O trabalho aponta para outras situações que podem passar por algo inusitado no serviço público, como:

 

Assédio, sensação de insegurança, desempenho não reconhecido, perseguição por alguma filiação partidária, relacionamentos complicados, insatisfação com o serviço e pressões de produtividade são algumas das diversas causas que contribuem para o problema. Fatores relacionados à cultura da organização, às condições de trabalho e também aos fatores pessoais da vida dos servidores também são parte desse complexo e multifacetado quadro.

 

A estabilidade, algo que pode ser entendido como uma certa ‘blindagem’ contra problemas que seriam exclusivos dos trabalhadores da iniciativa privada, nem sempre opera nesse diapasão, conforme detalha a pesquisadora:

 

Apesar de servidores públicos possuírem uma relação de trabalho menos instável, também estão expostos às instabilidades geradas por oscilações políticas e de planejamento, que ocasionam descontinuidade de ações, alterações na qualidade e na quantidade da demanda pelos serviços ofertados; acúmulo de funções; mudanças na organização do trabalho ou na natureza das ações que conflitam com o sentido; e as crenças que os trabalhadores possuem.

 

Enquanto temos CEOs autoritários e arrogantes impondo e ameaçando colaboradores como se fossem senhores de escravizados, e, pasmem, temos gestores públicos reverberando esse tipo de autoritarismo descabido, temos outras companhias que apostam no avanço de metodologias inovadoras. Esse é o tema da reportagem publicada pela Revista Exame Carreira, intitulada “Menos chefes, menos regras: o jeito revolucionário de a Bayer gerir o time já tem data para começar[15]”. A matéria da Layane Serrano, publicado em 22 de março de 2024, expõe inovação e ousadia.

 

 A matéria revela que, além do home office e flexibilidade, companhias como Bayer e Netflix apostam na “autogestão”. Traduzindo, essas empresas vão desenvolver uma cultura na qual seus colaboradores ficarão ainda mais independentes. O novo modelo prima por “menos chefes e menos regras”. O esforço de reorganização passará por capacitação e aproveitamento de ferramentas de inteligência artificial.

 

Retomando à frase no início do artigo: “Não há sucesso profissional que compense o fracasso no lar”. A citação costuma ser atribuída a Benjamin Disraeli; J. E. McCullough e a David O. McKay. A autoria agora pouco importa. O mais importante agora é agirmos para viabilizarmos as condições de trabalho mais dignas aos colaboradores de empresas e servidores públicos.

 

A imposição de atuação presencial simplesmente não se sustenta. O querer por querer não se reveste de razoabilidade. Qual é o motivo racional que sustenta a obrigação de deslocar um profissional para ficar oito horas em frente a uma tela, se essa tela pode estar em qualquer lugar do planeta?

 

Qual o sentido de sermos mães e pais ausentes? O que pode compensar passarmos a melhor fase das vidas de nossos filhos longe deles? Vale a pena sermos uma geração de pais e mães que passam semanas inteiras – morando nas mesmas casas que nossos filhos – mas sem fazermos uma única refeição em conjunto ao longo de uma semana?

 

Como justificar chegarmos ao final de uma semana sem energia para brincarmos com nossos filhos? Passear com nossos cônjuges? Termos disposição para desenvolvermos uma nova habilidade?

 

Eu acredito que já criamos as condições para usarmos a tecnologia a nosso favor, a fim de que desenvolvamos uma nova modelagem de trabalho corporativo, seja nas empresas, instituições não governamentais ou na Administração Pública, que nos permita suprimir um dia inteiro na atual semana útil.

 

Devemos isso aos nossos filhos. Temos que entregar para as próximas gerações um ambiente laboral mais saudável. E isso somente será possível com a disponibilização de pelo menos mais um dia livre na semana. E isso, obviamente combinado à possibilidade de atividades profissionais remotamente.

 

Quando paramos para pensar até o conceito de “dia útil” merece reparo. Útil para o que mesmo? Será então que aquele dia que temos reservado para nós e para as nossas famílias é um dia inútil?

 

Redução de carga horária e da quantidade de dias “úteis” na semana. Horários flexíveis e disponibilização de trabalho remoto. Essas são causas dignas de peleja. Esses são os desafios pelos quais vale a pena lutar. E é esse o convite que faço a você. Vamos nos engajar nessa causa.

 

Juracy Soares

Diretor Executivo da Auditece; Professor universitário; Doutor em Direito; Mestre em Controladoria; Especialista em Auditoria; Graduado em Direito e Contábeis. International Accounting Leadership Certificate (Anderson University South Carolina-EUA). Public Sector Union Leaders (Hertie School Berlin-Germany). Editor chefe da revista científica Semana Acadêmica. Coordenador Acadêmico da Unieducar Universidade Corporativa. É autor de livros e capítulos de livros no Brasil e em Portugal.

 

[1] https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/04/14/mais-da-metade-dos-trabalhadores-estao-dispostos-a-buscar-um-novo-emprego-para-sair-do-modelo-100percent-presencial.ghtml

[2] https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/08/teletrabalho-traz-economia-de-quase-r-1-5-bilhao-aos-cofres-publicos

[3] https://portal.fgv.br/artigos/tendencias-home-office-brasil

[4] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9x6wg87llko

[5] https://jornaldocarro.estadao.com.br/carros/henry-ford-provocou-uma-revolucao-trabalhista/

[6] https://www.infomoney.com.br/carreira/semana-de-4-dias-de-trabalho-comeca-a-ser-testada-no-brasil-veja-empresas-participantes-e-desafios/

[7] https://valor.globo.com/carreira/noticia/2020/08/18/pandemia-muda-percepcao-de-carreira-de-brasileiros.ghtml

[8] https://gruposkill.com.br/blogskill/sindrome-de-burnout-e-o-mundo-corporativo/

[9] https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2024/02/19/menos-faltas-e-mais-foco-o-que-diz-quem-passa-pelo-teste-da-semana-de-4-dias-no-brasil.ghtml

[10] https://vocesa.abril.com.br/carreira/semana-de-quatro-dias-modelo-continua-funcionando-para-empresas-que-o-testaram-ha-um-ano/

[11] https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/27/por-que-o-brasil-tem-a-populacao-mais-ansiosa-do-mundo.ghtml

[12] https://www.scielo.br/j/ts/a/sRtv4ybdHPvKSqrzGZvscCG/?lang=pt

[13] https://vocesa.abril.com.br/carreira/o-mito-da-resiliencia-e-o-caminho-ate-o-burnout/

[14] https://republica.org/emnotas/conteudo/saude-mental-dos-servidores-publicos-do-tabu-aos-primeiros-passos/

[15] https://exame.com/carreira/menos-chefes-menos-regras-o-novo-jeito-da-bayer-de-gerir-funcionarios-ja-tem-data-para-comecar/

Autores
Juracy Braga Soares Junior
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