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As ideias defendidas nos artigos publicados neste Blog são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a posição institucional da Auditece.

 

Publicado em: 21/07/2020

Atuação do governo federal em tempos de coronavírus no Brasil

A crise atual é única e gravíssima. Diante dessa conjuntura é consenso que medidas usuais não resolverão o problema. Observa-se que muitos países inundam suas economias de dinheiro com o objetivo de amortecer a crise econômica. A fórmula é praticamente a mesma: o Estado fecha as atividades econômicas não essenciais para que as pessoas fiquem em casa até que a pandemia passe. Em contrapartida, compensa pessoas e empresas por esse fechamento. Ou seja, o Estado assume o problema. Não há discussão quanto à necessidade imediata de garantir a tranquilidade da população com uma forte política monetária expansionista.

 

No Brasil, na prática, isso não ocorreu. Vamos aos fatos:

 

– O governo, nessa situação extrema, liberou efetivamente pouco crédito para micro e pequenas empresas. Fatos:

 

• Segundo relatório de 14/05 do Banco Central, dos 40 bilhões destinados ao Programa Emergencial de Suporte a Empregos apenas 1,6 bilhões (4%) chegou ao destinatário;
• Pesquisa FGV / Sebrae apontou que 59% das pequenas empresas precisarão de crédito para atravessar a crise. Entretanto, apenas cerca de 5,3% das empresas conseguiram o empréstimo ou 14% dos 38% que procuraram;
• Segundo Febraban, pequenas e microempresas receberam apenas 31 dos 378 bilhões liberados em novos créditos desde o início da pandemia, apesar de representarem 55% dos empregos (segundo Sebrae);
• A liberação dos créditos na crise se deu por intermediação de instituições financeiras. O risco e a falta de garantia dificultam a chegada do dinheiro em condições atraentes às pequenas e microempresas;
• O governo federal ciente do problema vem buscando alternativas para fazer o dinheiro chegar para as pequenas empresas. No dia 19/05/2020 sancionou um novo programa de créditos para as pequenas empresas, o Pronampe. O novo programa libera 15,9 bilhões e oferece garantia de 85% pela União.
– Foi praticamente ignorado o fato de que a classe média também sofre com a crise, presumindo que ela teria condições para enfrentar o problema sozinha. O auxílio emergencial foi dado a famílias com renda média per capita de até R$ 522,50, ou seja, cerca de 36% da renda média per capita do brasileiro. Ao passo que, nos EUA, o auxílio foi dado com o limite de 159% da renda per capita local, contemplando a classe média.
– O valor do auxílio mensal no Brasil é capaz de comprar 1,16 cestas básicas em São Paulo, ao passo que, nos EUA, o valor do auxílio adquire, em média, 9,5 cestas básicas locais.

 

O governo federal não tomou para si solucionar a crise financeira de seu povo. As consequências são desastrosas: mais gente desrespeita a quarentena, famílias inteiras passam necessidade, as mortes aumentam. Empresas se desmontam e a retomada econômica demorará ainda mais. Fatos:

 

• Dados divulgados pelo governo de São Paulo e divulgados pelo G1 mostram que a taxa de isolamento social ficou entre 46% e 59% quando ideal seria 70%, conforme gráfico abaixo:

 

 

• A taxa de isolamento no Brasil vem caindo semana após semana, conforme dados da BBC apresentados no gráfico abaixo;

 

 

• Por outro lado, observamos a taxa de mortalidade no sentido inverso, conforme dados do G1:

 

 

• Segundo o Sebrae (9/4) mais de 600 mil empresas encerraram as suas atividades com a pandemia. Segundo pesquisa da CNI (Confederação Nacional das Indústrias) realizada de 1 a 14/4, cerca de 59% dos empresários estão com dificuldades de realizar pagamentos correntes, 76% das empresas tiveram seus faturamentos reduzidos, a inadimplência atinge 45% e o cancelamento de pedidos 44%.

 

Ao que tudo indica, uma mistura entre “pirraça” política com os governadores e a atuação como se empresa privada fosse estão fazendo o governo federal virar de costas para a população brasileira. Sim, o Brasil está se comportando como se fosse uma organização privada em que sua maior prioridade é o resultado financeiro. Afinal, se salvar vidas, manter o poder de compra da classe média e ajudar as pequenas empresas que empregam 55% da população não dá bom retorno financeiro, por qual motivo o país precisa gastar com isso?!

 

• A “pirraça” política pode ser constatada de duas formas: Primeiro uma divergência política notória entre o Sr. Presidente e os Srs. Governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro. A frase dita, e amplamente divulgada, pelo Sr. Presidente Jair Bolsonaro na reunião ministerial reforça o clima tenso da relação: “ O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso”. Segundo com a disputa jurídica pelo poder de decisão sobre o fechamento ou não
das atividades econômicas durante a pandemia, decidido pelo STF em favor dos estados e municípios contrariando as pretensões do governo federal.

 

• O comportamento comparável com uma empresa privada pode ser extraído da fala do Sr. Ministro da economia Paulo Guedes na reunião ministerial: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas.” A lógica usada para decidir pelo investimento é o retorno do capital, alinhado ao pensamento da iniciativa privada. Ao que parece, o peso dado ao interesse público, esse relacionado a preservação de empregos e condição de sobrevivência para a população em geral, não está adequado ao que se espera de um governante, especialmente na emergência atual.

 

Porém, ainda que o objetivo fosse o melhor resultado financeiro, a estratégia mais adequada não seria essa. Em 2020, o Real teve perda de 29% ante ao dólar, sendo o pior resultado entre moedas de países emergentes. A leitura do mercado é que o Brasil perderá fortemente no pós-crise sanitária o poder de compra do seu povo e a capacidade de produção. Essa combinação explosiva irá prolongar a queda na arrecadação estatal e piorar o resultado fiscal. Ou seja, a proteção do déficit hoje (ao custo de vidas humanas e pobreza da população) irá provocar um maior déficit no prazo de meses.

 

• Em 22/05/2020 o Diário de Pernambuco escreveu “o real é a moeda que mais se desvalorizou neste ano entre países emergentes, com uma perda de 29% em relação ao dólar. Chama a atenção a diferença para países da América Latina, cujo segundo pior resultado é o do peso mexicano (-19%), e de economias como a África do Sul (-22% do rand) e a Rússia (-13% do rublo).”

 

• O Estadão considerou as variações no câmbio do dia 31/12/2019 até 30/04/2020 e o resultado foi ainda pior, conforme tabela abaixo:

 

 

O risco Brasil medido pelo CDS (Credit Default Swap) subiu 220% em 2020. Na média dos países emergentes, a alta foi de 77%.

 

A alta do risco Brasil revela a desconfiança do mercado para com a economia brasileira face a instabilidade política, o desmantelamento das empresas e famílias pela ausência de proteção estatal, déficit fiscal e a falta de previsibilidade sobre o futuro para o mercado.

 

A arrecadação de tributos representa 35,07% do PIB ou R$ 2,39 trilhões (dados de 2018). Em 11/05, o FMI estimou que o PIB brasileiro fechará 2020 com queda de 5,3%. Essa previsão é revisada periodicamente e tem sido cada vez mais pessimista em função da crescente previsão de duração da crise. Portanto, quanto maior a duração da crise econômica maior será a queda do PIB.

 

Queda parecida com essa experimentou o Estado do Rio de Janeiro durante a sua crise de 2016, ocasião em que o PIB estadual recuou 4,4%. Nesse mesmo ano a variação da arrecadação foi de -9,1%. Nota-se que a queda da arrecadação tem alta sensibilidade à queda do PIB, ou seja, para cada 1% perdido a perda de arrecadação foi de mais de 2%. A lógica é simples, quando há queda relevante no PIB a inadimplência e a sonegação aumentam, empresas fecham suas portas e o próprio Poder público acaba por conceder situações privilegiadas para recebimento dos tributos.

 

Na situação atual observa-se que essa lógica vem se repetindo com as arrecadações estaduais caindo, em média, acima de 20% nos primeiros meses da pandemia. Utilizando como referência a previsão de queda da arrecadação na proporção de 2 vezes o percentual de queda do PIB, na previsão atual teríamos uma queda de cerca de R$ 250 bilhões na arrecadação global das três esferas de governo.

 

A queda da arrecadação irá cessar mais rápido ou mais lentamente em função essencialmente de três grandes variáveis: consumo, investimentos e balança comercial.

 

O consumo é influenciado pela demanda e pela oferta. A variação de renda da população se relaciona diretamente à demanda. Portanto, quanto menor a perda de renda, maior será o consumo na volta à normalidade. A oferta está ligada à capacidade das empresas de produzirem. Quanto mais empresas conseguirem se manter abertas, com as suas capacidades produtivas preservadas, maior será a velocidade de retomada da oferta.

 

Os investimentos podem ser públicos ou privados. No primeiro caso, o governo federal chegou a levantar a hipótese de aumentar seus investimentos com programas como o “pró- Brasil”. Mas, ao que parece, não obteve apoio dentro do Ministério da Economia, tendo sido descartado pelo Presidente da República. Já os investimentos privados dependem da expectativa de retomada econômica e de outros fatores que, em sua maioria, se encontram contemplados no índice de Risco Brasil. Como vimos, o índice não está favorável ao Brasil nesse momento.

 

Por fim, a balança comercial, fator de menor peso e que sofre forte influência do cenário internacional, se encontra favorecido pela queda da moeda brasileira. Por outro lado, encontra-se desfavorecido pela queda da demanda global e pela adoção de medidas protecionistas por outros países.

 

Portanto, o governo federal pode agilizar a retomada econômica agindo, principalmente, em 3 frentes: mantendo as empresas abertas e saudáveis, reduzindo a queda da renda da população em geral e melhorando o ambiente político para reduzir o Risco Brasil. O cenário atual não permite a abertura plena de boa parte das empresas e, consequentemente, a renda da população é afetada.

 

Enquanto durar a crise sanitária, sugere-se que o governo federal mantenha pessoas e empresas vivas financeiramente. Como uma espécie de UTI para empresas e pessoas, essa blindagem irá agilizar a retomada na medida em que a reabertura da economia se torne possível. Essa compensação não é um dinheiro “perdido” pela União, haverá um retorno na forma de arrecadação tributária. A retomada mais rápida do PIB poderá refletir em dobro na arrecadação de impostos.

 

Aproveitando o fato de que boa parte da população não tem ciência de que a União dispõe de ferramentas eficazes para gerar recursos e compensar a queda na renda de pessoas e empresas, o governo tenta jogar a fúria do povo contra quem não teve a renda diminuída como, por exemplo, o servidor público.

 

O Brasil possui instrumentos como emissão de moeda, cujos efeitos inflacionários seriam extremamente mitigados pela atual crise e o aumento de liquidez pode reduzir o valor dos juros praticados pelos agentes financeiros, e de títulos do tesouro passíveis de serem vendidos para
bancos privados e para o banco central. Além disso, dispõe de reservas internacionais acima de US$ 300 bilhões.

 

Se a emergência que o Brasil vive não configura motivo suficiente para a utilização desses instrumentos, quando será? Importante lembrar que o Brasil tem utilizado essas ferramentas rotineiramente há décadas.

 

Conforme colocado, a crise atual não é estrutural, ou seja, trata-se de um evento excepcional – uma pandemia. Assim que forem encerradas as suas causas, caso o Brasil esteja preparado para a retomada, a volta à normalidade econômica será rápida. Portanto, os gastos governamentais que poderiam ser utilizados para preparar o país para a volta a normalidade evitariam uma perda de arrecadação de médio prazo e a transformação de uma crise sanitária para uma crise estrutural.

 

Ao invés de deixar TODA a população tranquila para respeitar o isolamento e garantir as empresas vivas e prontas para retomada, o governo federal opta por culpar os seus gastos, quando governos do mundo todo expandiram as suas despesas.

 

O Congresso Nacional toma a iniciativa para amenizar a situação. Porém, o governo federal se faz de vítima e leva parte da população brasileira a acreditar que há uma grande conspiração que une congresso nacional, STF, estados, municípios e meios de comunicação, com objetivo de derrubar o Poder executivo nacional.

 

Por mais que se ignore a questão de saúde pública e seja forçada uma reabertura rápida da economia, haverá uma demora até que se atinja o patamar anterior de atividade econômica. E nessa demora se encontra o maior risco de aumento do déficit fiscal do Brasil. Em resumo, estamos trocando a saúde e a tranquilidade financeira das pessoas por um esforço fiscal que irá se perder em pouco tempo.

Autores
Michel Gradvohl
Fábio Verbicário