Desemprego assume estágio mais grave e atinge chefes de família
O desemprego provocado pela recessão, que já dura dois anos, chegou a um estágio mais grave: passou a atingir os trabalhadores que respondem pela principal fonte de renda da família.
Normalmente mais resistentes às intempéries do mercado, com vínculo mais longo no emprego e experiência, esses trabalhadores já não estão mais sendo poupados.
Chefes de família (homens ou mulheres) respondem por 45% dos funcionários com mais de dois anos na mesma empresa, segundo o IBGE.
Foi esse justamente o grupo mais afetado pelo desemprego no ano passado, representando cerca de um terço das demissões, segundo levantamento do economista Sérgio Firpo, do Insper.
Pior marca desde 2002, o número é ainda mais negativo do que o de outras crises, como em 2003 e 2009.
A taxa de desemprego dos chefes de família subiu 72%, de 3,53% dos trabalhadores no início da recessão, em meados de 2014, para 6,07% no primeiro trimestre de 2016.
DANO DURADOURO
O fenômeno deve ter consequências profundas nas famílias e nas empresas mesmo após a crise, dizem economistas. A perda da principal renda da família empurra para o mercado de trabalho os demais integrantes, muitos deles filhos com idade entre 14 e 17 anos, que passam a dividir horas de estudo com a busca por trabalho.
O risco é que esses jovens reduzam suas chances de melhores empregos e salários no futuro, o que pode comprometer seu progresso econômico e afetar o crescimento do país no longo prazo.
É essa uma das preocupações do metalúrgico Ricardo Lopes de Oliveira, 45, demitido depois de 23 anos de trabalho na fabricante de autopeças Autometal.
Sem perspectivas de se reempregar com salário equivalente ao que tinha, ele reuniu a mulher e as duas filhas, de 11 e 15 anos, para planejar as contas até o final do ano.
"As meninas sugeriram passar a vender trufas", diz o operador de máquina, cuja mulher, fora do mercado há mais de dez anos, também vai procurar emprego agora.
Oliveira espera conseguir uma vaga até o fim do ano, para não tirar as meninas da escola particular. "Vou ter que fazer um curso para me atualizar. A máquina que eu operava era muito velha."
Para as empresas, a saída desses funcionários também é má notícia que pode perdurar. "Esse trabalhador domina a tecnologia utilizada pela empresa e é mais produtivo naquele ambiente. Quando sai, é uma perda que não aparece na contabilidade, um custo invisível de perda de capital humano", afirma Hélio Zylberztajn, da USP.
PERDA
Segundo Firpo, os desligamentos de trabalhadores com vínculos mais longos podem significar perda de conhecimento para as empresas e para os funcionários. "O empregador terá que treinar outra pessoa, e o trabalhador vê pouca utilidade nas habilidades adquiridas na firma."
O gráfico Valter Gonçalves dos Santos, 50, demitido com outros 274 funcionários em dezembro do ano passado, já deu o primeiro passo para mudar de atividade.
Na Prol Editora, que o dispensou, ele foi operador de impressora rotativa por sete anos e oito meses. Agora faz um curso de refrigeração e, em seguida, quer se especializar em ar-condicionado.
Sem recursos para pagar o curso, está sendo ajudado por um de seus filhos, que custeia a mensalidade de R$ 315.
A última parcela do seguro-desemprego, 60% menor que o salário anterior, já venceu. "Minha mulher começou a trabalhar como merendeira em meio período, por R$ 600. Só de aluguel, gastamos R$ 1.000. Só não está pior porque meus filhos estão segurando as contas", diz Valter, pai de três jovens de 29, 27 e 21 anos.
MAU SINAL
O diretor da CNI (Confederação Nacional da Indústria) Renato da Fonseca afirma que é um mau sinal olhando à frente quando as empresas chegam ao ponto de fazer demissões em massa. Sobretudo de funcionários com mais experiência.
"Significa que o empresário segurou ao máximo as demissões e decidiu desligar funcionários que, com a produção escassa, estavam sendo deslocados para outras atividades, como manutenção. Isso indica que a retomada, quando vier, será lenta."
Fonte: Folha de S. Paulo