Ajuste fiscal é uma ponte entre o antigo e o novo modelo da economia, diz Unger
O ajuste fiscal não é uma agenda para o Brasil, mas uma preliminar indispensável para a ponte entre o antigo e o novo modelo da economia do país. A afrimação foi feita hoje (21) pelo ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, no auditório da Fundação Getulio Vargas, em Botafogo, na zona sul do Rio, durante palestra organizada pela na Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV/EPGE) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio) sobre o tema A Nova Estratégia Nacional de Desenvolvimento.
“Ele deve ter pelo menos quatro elementos. Em primeiro lugar deve impor o realismo fiscal, mesmo com sacrifício do acesso as políticas contracíclicas. Em segundo, deve usar o espaço de manobra facultado pela disciplina fiscal para impor um viés de baixa na taxa de juros, ao custo do capital. Em terceiro lugar deve deixar que o câmbio flutuante, flutue e que a depreciação cambial funcione no interesse do impulso produtivo do país e, em quarto lugar, ele deve compensar os importadores de altas tecnologias para os efeitos da depreciação cambial e abandonar ainda que unilateralmente todas as restrições tarifárias e não tarifárias à importação de altas tecnologias”, disse.
Para o ministro, a narrativa da doutrina financeira para explicar o ajuste fiscal, como produtor de confiança não deu certo em nenhuma outra parte do mundo. "O ajuste fiscal é necessário para gerar confiança. A confiança produz investimento. O investimento traz crescimento. Isso nunca funcionou em nenhum lugar. Haja vista a Europa entregue à combinação de estagnação e com a austeridade”, explicou. Na avaliação de Mangabeira Unger, o ajuste fiscal é necessário pela razão inversa. “Para não depender da confiança financeira, para evitar a desorganização da economia privada e para reafirmar o poder estratégico do estado. "
O ministro destacou que o modelo de privilegiar as exportações de commodities e o aumento de consumo, adotado recentemente pelo Brasil teve bons resultados, mas agora, diante da mudança das condições da economia mundial, já não se mostra mais adequado ao que o país precisa. "Não há razão para criticar esta estratégia. Ela fez sentido em seu tempo e surtiu efeitos benéficos para milhões de brasileiros, sobretudo, três grandes efeitos. Primeiro, resgatou milhões de pessoas da pobreza extrema, segundo manteve um nível altíssimo de emprego no país, com poucas comparações no mundo, e terceiro, facultou o acesso ao consumo em massa para a maioria do país”.
Segundo ele, enquanto os preços das commodities estavam no alto e havia dinheiro fácil abundante no mundo, o Brasil se beneficiou deste modelo e as fragilidades dele permaneceram ocultas. Mas quando as condições mudaram, essas fragilidades ficaram expostas. A mais importante, disse, é que esse modelo conviveu com um nível muito baixo de produtividade na economia brasileira. Unger acrescentou, que no mesmo momento, a grande maioria dos brasileiros se manteve empregada, mas, porém, em serviços de baixíssima produtividade. “Quando as circunstâncias mudaram, nós tentamos por algum tempo dar sobrevida ao modelo exaurido, por políticas contracíclicas, mas a eficácia dessas políticas contracíclicas acabaram também por exaurir-se e aí chegamos ao momento atual”, analisou.
Mangabeira Unger defendeu que o Brasil precisa ter agora uma estratégia que promova o aumento da produtividade do país. “Nós precisamos construir uma estratégia que permita uma escalada de produtividade no país, portanto, o foco muda e agora é a democratização da economia do lado da oferta e da produção, organizar um impulso produtivista no país. Esse impulso só interessará se for includente. Não adianta se for para beneficiar apenas minoria de endinheirados ou mesmo de trabalhadores nos setores intensivos de capital. Tem que ser para todos”, explicou.
O ministro avaliou que essa estratégia, para todos, exige inovações institucionais como a democratização do acesso ao crédito. "Surgem muitos mal-entendidos sempre que se tem debate, e tivemos aqui exemplo de um mal-entendido. Alguém disse que eu critiquei o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e eu nunca falei do BNDES. O que eu falei foi na democratização do acesso ao crédito. O problema é que na nossa situação financeira, com o histórico de inflação que nós temos no Brasil, sempre foi difícil ter o mercado de crédito ao longo prazo. Por isso, que os bancos públicos desempenharam um papel tão importante na organização do crédito no longo prazo. Agora a taxa de juros no último período histórico começa a baixar e a razão para subsidiar o crédito será, eu espero, cada vez menor”, indicou.
Mangabeira Unger destacou ainda que a ampliação do acesso se estende a tecnologias e práticas avançadas, em favor de empresas de todas as escalas. "Nós temos uma cultura empreendedora no Brasil vibrante, mas a verdade dura é que grande maioria das nossas pequenas e médias empresas ainda está afundada em um primitivismo produtivo, com práticas e tecnologias relativamente retrógradas. Precisamos agora organizar um choque de vanguardismo. Não é só ter vanguardismo em uma ilha elitista. É usar o poder do Estado para difundir as práticas avançadas para grandes setores da economia. No fundo é a mesma preocupação que também ajuda a motivar a pátria educadora, o nosso outro grande projeto de qualificação ensino básico. O Brasil tem vitalidade, tem um espontaneísmo inculto. Agora nós queremos dar a essa vitalidade instrumentos e oportunidades. Nós queremos transformar o espontaneísmo inculto em flexibilidade preparada”, indicou.
Para ele, não é possível avaliar em quanto tempo esta estratégica poderá apresentar os resultados esperados. "Isso não é um amontoado de ações tecnocráticas não é como construir uma usina e dizer vamos terminar em tal data. Não é isso. É lançar uma dinâmica transformadora. O importante não é o prazo de terminar. O importante, é saber o prazo de começar. É ter iniciativa que representem os primeiros passos dessa transformação”, completou.
Fonte: Agência Brasil