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Publicado em: 07/08/2015

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O trabalho home office e suas complicações jurídicas

Por Marcos Bertosi

Home Office, uma atividade onde a legislação trabalhista atua com entraves por não ser totalmente clara a respeito da modalidade, deixando muitas brechas para contestações.

Uma pesquisa feita em 2014 pela SAP Consultoria com mais de 200 companhias indicou que 36% das empresas adotam esse modelo no país.

O artigo  da CLT – teletrabalho, home office ou anywhere office

Foi publicada no Diário Oficial da União de 16 de dezembro de 2011 a lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o art.  da CLT, disserta vagamente sobre o tema que há muito vem sendo abordado pelas Doutrinas e Jurisprudências.

O referido artigo  da CLT - decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, que passou a ter a seguinte redação a partir de 16 de dezembro de 2011, data de sua publicação:

“Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”

I – Sua origem legislativa:

A lei 12.551/2011 surgiu a partir do projeto de lei 3129/2004 da Câmara dos Deputados, tendo tramitado no Senado Federal como projeto de lei da Câmara 102/2007.

Para compreendermos o objetivo da lei e de seu verdadeiro alcance, façamos uma breve leitura da justificativa do projeto de lei, bem como dos pareceres de relatoria que compõem os passos de sua aprovação no Congresso Nacional.

Vejamos então a justificativa apresentada ao Congresso Nacional pelo autor do projeto de lei 3.129/2004:

“A revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho exigem permanentes transformações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade mutável. O tradicional comando direto entre o empregador ou seu preposto e o empregado, hoje cede lugar, ao comando à distância, mediante o uso de meios telemáticos, em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle. O Tele-Trabalho é realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisão, retire ou diminua a subordinação jurídica da relação de trabalho.”

Interessante, também, o parecer emitido pelo relator do projeto de lei quando da aprovação do texto, do qual se transcreve elucidativo trecho que aponta o objetivo do projeto:

"O art.  é um dos principais e mais importantes artigos da CLT. Estabelece que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, “desde que esteja caracterizada a relação de emprego".

Portanto fica claro que presentes os requisitos da relação empregatícia, o fato de o empregado trabalhar em sua própria casa é irrelevante.

Os requisitos podem ser verificados no art.  da CLT, que define empregado, a saber:

Pessoalidade – "considera-se empregado toda pessoa física"

Não eventualidade – "que prestar serviços de natureza não eventual"

Subordinação – "sob dependência deste"

Onerosidade – "e mediante salário".

A proposição amplia o alcance desse artigo aos trabalhadores à distância e equipara os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão aos meios pessoais e diretos; configurando aqueles, também, forma de subordinação.

Com isso e apesar da interpretação do art.  da CLT que normatiza este tipo de subordinação, a melhor opção é alterar a lei, adequando-a às mais modernas tecnologias, em prol do trabalhador. O conceito de relação de trabalho é dinâmico e deve se adequar às mudanças sociais.

Podemos então considerar um exemplo de evolução legislativa o conceito de subordinação descrito pelo projeto, havendo comando, controle e supervisão ainda que não haja o contato direto. A revolução da informação permite a subordinação do empregado ao empregador de forma talvez até mais eficiente do que a subordinação direta, exercida no local de trabalho.

Interessante observar, que o mesmo projeto de lei da Câmara tramitou no Senado Federal sob a título de PLC 102/2007. Abaixo e não menos interessante, um trecho do parecer de aprovação da Comissão de Assuntos Sociais:

"É submetido à análise desta Comissão o Projeto de Lei da Câmara nº 102, de 2007, que tem por finalidade equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios de telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos. Para tanto, acrescenta dispositivo ao artigo  da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.”

O autor justifica a sua iniciativa demonstrando a necessidade de adequar a legislação trabalhista brasileira às transformações trazidas pelas inovações tecnológicas ao mundo do trabalho.

II – Análise

Nos termos do art. 100, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, compete à Comissão de Assuntos Sociais emitir parecer sobre projetos de lei que versem sobre relações de trabalho. Sob o aspecto formal, não vislumbramos óbice algum de natureza jurídica ou constitucional na proposta. A disciplina da matéria é de competência legislativa da União (art. 22I, da Constituição Federal – CF) e inclui-se entre as atribuições do Congresso Nacional (art. 48, caput, da CF).

A despeito do fato de nossa legislação trabalhista não dispor de regras sobre o teletrabalho, nela encontramos alguns dispositivos que se amoldam a essa forma de trabalho.

As normas que regulam o trabalho fora do estabelecimento do empregador, ou em domicílio, como as presentes nos artigos  e  da CLT constituem o fundamento para o seu amparo legal. O art. 6º, em especial, estabelece que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

Por analogia, aplicam-se ao teletrabalho as mesmas normas legais referentes ao trabalho em domicílio, e existindo lacuna, aplicam-se, ainda, as normas de integração do art.  da CLT:

“Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse da classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”

Todavia, a despeito do fato da doutrina e da jurisprudência já enquadrarem a figura do teletrabalho dentro do contrato de trabalho em domicílio, não vemos óbice que o teletrabalho seja tratado expressamente em nossa legislação laboral, pois entendemos que, para cada forma de trabalho que surge, é importante que o legislador estabeleça sua natureza jurídica e determine, é claro, o regime jurídico aplicável. Para tanto, é imprescindível que se altere a lei.

III - Jornada de trabalho e horas extras

Como a legislação trabalhista brasileira ainda não fixou normas expressas para regular o trabalho executado em casa, é aplicável para tais casos por analogia a regra insculpida no artigo 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho, que se refere ao trabalho externo, quando não é possível verificar o cumprimento da jornada de trabalho.

Inicialmente, cumpre observar qual será a forma de verificação de produtividade do empregado. Ainda que o trabalho seja realizado externamente, vivemos em uma sociedade capitalista, na qual o lucro é um dos pilares da atividade econômica.

Para a maioria das empresas, o controle de horário tem sido substituído pela estipulação de metas, as quais definem a remuneração final do empregado. Havendo o controle apenas da produção e inexistindo controle de horário, não havendo, pois, que se falar em horas extras.

O cerne desta modalidade de trabalho refere-se ao controle da jornada de trabalho e às horas extras. Se, em eventual fiscalização ou reclamação trabalhista, restar comprovado que o empregador controlava a jornada de trabalho do empregado, este fará jus ao recebimento de horas extras.

Embora a jornada de trabalho normal seja de oito horas diárias, surge a seguinte questão: de qual forma o empregador verificará se o funcionário cumpre a jornada de trabalho corretamente? E se o empregado, em vez de executar o trabalho no horário comercial optar por trabalhar à noite ou aos finais de semana? Deve o empregador efetuar o pagamento das horas extras e adicional noturno?

A questão é controvertida, mas as poucas decisões existentes sobre o assunto tendem a decidir pelo pagamento de horas extras, inclusive adicional noturno, ainda que o empregado tenha deixado de trabalhar em outro dia da semana.

A legislação trabalhista é omissa quanto aos critérios para verificação da jornada de trabalho, mas a jurisprudência tem entendido que o empregado que trabalha a distância têm os mesmos direitos daquele que executa o trabalho in loco. Assim, se há extrapolação da jornada de oito horas diárias, o empregado fará jus ao pagamento de horas extras.

A prova do labor extraordinário normalmente é realizada por meio de e-mails, conversas mantidas pelo Skype ou outros instrumentos que comprovem em qual momento o empregado esteve trabalhando, além de prova testemunhal.

Para afastar a obscuridade deste tipo de situação deve, o empregador contratar por escrito, e mencionar, o disciplinamento quanto ao não cumprimento de horário por parte do prestador de serviços, a transcrição destas condições em contrato se torna relevante, quando essa é a vontade das partes contratantes, abaixo alguns exemplos:

a) Que o prestador, apesar de vinculado a comandos remotos advindos do empregador, não estará sujeito a cumprimento de jornada;

b) Que o horário espontaneamente observado pelo empregado em sua residência ou onde ele estiver ligado remotamente ao empreendimento não será objeto de controle e fiscalização por parte do empregador;

c) Que não haverá qualquer obrigação de o empregado proceder ao registro das horas de trabalho efetuadas, entendendo as partes, expressamente, que o trabalho tem natureza externa, não passível de fiscalização.

Nada impede, porém, se estabeleça contratualmente que o empregado em regime de teletrabalho atuará de forma compatível com o atendimento dos serviços, sem prejuízo, é claro, da liberdade de distribuí-los, autonomamente, durante a jornada que eleger mais adequada.

Importante essas considerações contratuais para afastar a hipótese de pagamento de horas extraordinárias, que, entretanto, podem ser devidas, caso, na prática, o empregador não observe a liberdade estampada nos itens acima e proceda a controle direto ou indireto da jornada mesmo por meio telemático ou remoto, revelando excesso de horas de trabalho sujeito à fiscalização patronal.

Quanto aos repousos, é interessante ressaltar no contrato:

a) Que o empregado tem a obrigação de interromper o seu trabalho, para repousar e alimentar-se durante a jornada;

b) Que ficará o seu critério o tempo de afastamento do trabalho, desde que razoável para o cumprimento de suas obrigações e ao mesmo tempo eficiente para preservar sua saúde e higidez física;

c) Que deverá o empregado preservar, espontaneamente, intervalo de no mínimo onze horas de repousos entre o início de um expediente de trabalho e outro.

Outros temas residuais que podem ser objeto de ajuste entre as partes:

a) A regulação dos compromissos de trabalho realizados fora da residência do empregado, em viagens de interesse do empregador (horas despendidas entre o local de residência do trabalhador até os referidos locais, sua remuneração ou não, e a autodisciplina quanto aos limites de horas de dedicação ao trabalho);

b) Regras a serem observadas na hipótese de eventuais afastamentos ou interrupções do trabalho, ocasionados por problemas técnicos com equipamentos ou dados utilizados, emergências familiares, ou casos de força maior enfrentados pelo empregado;

c) Regras relativas a comunicações prévias entre as partes, para eventual necessidade de redistribuição de tarefas urgentes e inadiáveis;

d) Referência às obrigações e responsabilidades do empregado no tocante à manutenção de padrões de higiene, segurança e de ergonomia no local ou locais de prestação de serviços - considerando ser indevassável a sua residência ou os locais onde estará cumprindo suas tarefas à distância – sem prejuízo, por exemplo, de fazer constar no contrato que o empregado poderá solicitar apoio técnico dos serviços em higiene e segurança no trabalho do empregador, para determinar ou avaliar as condições de higiene e segurança do seu escritório doméstico, quando for o caso, recomendando-se, nesse caso, que se firme documento de certificação destas condições ideais, uma vez alcançadas;

e) Regras aplicáveis quanto ao uso dos equipamentos eletrônicos pertencentes ao empregador, para o desenvolvimento dos serviços, tais como: normas de utilização de forma a não danificar os equipamentos; vedação e responsabilização pela utilização dos equipamentos de propriedade de sua empregadora para fins ilegais, para fins próprios, ou mediante cessão ilegítima a terceiros; uso de softwares e hardwares de propriedade do empregador; realização de inventário de todo e qualquer material de propriedade do empregador entregue em confiança ao empregado para desenvolvimento de seu trabalho; responsabilidade pela manutenção dos equipamentos cedidos e forma de notificação em caso de necessidade de manutenção ou consertos, etc.

f) Cláusula contratual de confidencialidade e de sigilo, segundo a qual o empregado é advertido de que não poderá colocar em risco o sigilo ou a segurança das informações do seu empregador, devido ao trabalho à distância ou ao acesso remoto por computador, podendo ser destacado que o descuido por negligência, ou por ato voluntário doloso que permita a acesso de terceiros a esses dados será considerado falta grave, sujeitando o empregado às sanções trabalhistas máximas, sem prejuízo, por exemplo, de a empregadora, em caso de quebra consciente ou culposa de sigilo da informação por parte do empregado, promover as ações reparadoras de natureza civil ou penal cabíveis;

g) Regras sobre reembolso de despesas decorrentes do trabalho desenvolvido à distância;

h) Obrigações do empregado quanto a eventuais exigências do Poder Público, relativamente ao funcionamento do escritório residencial, e responsabilização pela observância de toda e qualquer lei municipal relativa à realização do trabalho em domicílio.

IV – Conclusão

Considerando os fatores analisados acima, e que se diga, não são os únicos a gerar dúvida, podemos concluir que:

A intenção única do legislador foi o de incluir, expressamente, o trabalho realizado à distância (teletrabalho, home office ou anywhere office) dentre as situações equiparáveis ao do tradicional trabalho direto, reconhecendo-se o elemento da subordinação jurídica, própria da relação de emprego, na linha do que já vinha preconizando a doutrina e a jurisprudência.

Por envolver situação diferenciada de relação de trabalho e de emprego, recomenda-se que o contrato de trabalho envolvendo o home office seja precedido de contrato escrito, com regras claras a respeito de pontos da contratação que eventualmente podem ser objeto de exame em situações de conflito.

Fonte: JusBrasil