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Publicado em: 28/01/2015

Tributação ecológica | Artigo

Cada vez mais, a questão ecológica se apresenta como um aspecto de relevante importância para a gestão em todas as áreas de governo. Na administração tributária, a situação que remete a uma ligação com a sustentabilidade ambiental é analisada pela procuradora fazendária e professora universitária Denise Lucena, que teve seu artigo originalmente publicado na edição número quatro da Revista Enfoque Fiscal (Dez/ 2012).

Confira abaixo.

Tributação Ecológica

Os reflexos da tributação ambiental sobre o meio ambiente e como fator de sustentabilidade

Denise Lucena Cavalcante [1]

SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA EM PROL DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL é o tema na pesquisa de Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa, sob a orientação do Professor Catedrático Eduardo Paz Ferreira. O tema é uma dos mais palpitantes no contexto contemporâneo, não só no Brasil, como em todo o mundo.

A perspectiva contemporânea da tributação voltada à proteção do meio ambiente torna imprescindível a sistematização das diretrizes fisco-ambientais.

O caminho para ligar a tributação à sustentabilidade ambiental não deve ser simplesmente onerar as empresas através de novos tributos ambientais. Também não poderá o tributo ser caracterizado como uma sanção.

Muito mais eficaz que criar novos tributos, num país já de elevadíssima carga tributária, é a adoção de incentivos fiscais para as empresas que investirem na proteção ao meio ambiente, é o que prevê o princípio do protetor-recebedor.

O momento é de permitir a inovação fiscal na adequação dos tributos às atuais exigências ambientais e esta deve ser necessariamente por meio de uma diretriz governamental. O Estado tem que assumir seu papel de sujeito ativo nesta fase de transição para novos modelos econômicos ditos verdes.

Defendemos que o Direito Tributário brasileiro deve ampliar seu foco para dar diretrizes à sustentabilidade ambiental. A sustentabilidade está diretamente relacionada com a boa governança focada no desenvolvimento econômico comprometido com o meio ambiente [2].

Não se trata simplesmente de reduzir a discussão ao tributo ecológico. Na verdade, sequer defende-se um conceito próprio de tributo ambiental, pois não se trata de uma espécie tributária distinta das que estão em curso. Ao contrário, a tributação ambiental não preconiza uma espécie tributária nova, mas, sim, uma reordenação do sistema tributário com foco na sustentabilidade ambiental.

Embora a crise ambiental seja universal, os países estão em diferentes no grau de evolução desta crise. Enquanto no âmbito da União Europeia, por exemplo, avançam as discussões e aperfeiçoamento da cobrança de tributos sobre a poluição, como o carbon tax, já buscando definir preços sobre as emissões do gás carbônico - CO2, países como o Brasil e muitos outros da América Latina ainda lutam para inserir em sua cultura a reciclagem do lixo doméstico, utilizando a redução de tributos para fomentar a educação ambiental.

Deve ser utilizado o critério ambiental em todo o sistema tributário, não no sentido de criar novos tributos, o que comumente teria o implícito caráter punitivo, mas sim, que os tributos já existentes sejam também utilizados para a proteção ambiental, a exemplo do que já vem acontecendo hoje com o IPTU e IPVA.

Os incentivos fiscais têm sido no Brasil o melhor instrumento fiscal para fomentar a mudança de postura dos cidadãos e dos empresários. Como afirmado anteriormente, essa fase de concessão de incentivos é bem característica da tese do protetor-recebedor, que com o tempo chegar-se-á ao equilíbrio de já ter incorporado nas atividades empresariais a obrigatoriedade de boas práticas ambientais, passando a vigor assim, o próximo estágio da sustentabilidade que será o de não-protetor=infrator.

Muitos são os exemplos da tributação ambiental no Brasil. No âmbito municipal o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) tem sido cada vez mais voltado para o fomento à proteção ambiental. O chamado IPTU Verde trata de benefícios fiscais concedidos à população, mediante a adoção dos princípios da sustentabilidade nas edificações. Destacam-se alguns exemplos, dentre muitos: Município de Guarulhos, através da Lei 6.793/2011, elenca um rol de atividades que propiciam a redução de alíquotas, tais como: arborização - imóveis com uma ou mais árvores terão desconto de até 2% no valor anual do IPTU; sistema de captação de água de chuva – 3% de desconto; sistema de aquecimento hidráulico solar – 3% de desconto e sistema de aquecimento elétrico solar 3% de desconto; construções com materiais sustentáveis – 3% de desconto; utilização de energia eólica – 5% de desconto etc.

Porto Alegre, também através da Lei Complementar n. 482/2002, prevê a isenção de IPTU para área urbana considerada de interesse ecológico. O município de Natal prevê isenção de até 50% para propriedades que possuam vegetação arbórea de preservação permanente e integração do meio ambiente artificial e natural (Lei n. 301/2009). O município de Bocaína/SP através da Lei n. 2.209/2008 concede descontos do IPTU para as propriedades que possuam lixeiras suspensas e árvores plantadas.

Recentemente o Rio de Janeiro, criou o Selo Qualiverde, através do Decreto n. 35.745/2012 que prevê benefícios fiscais para a construção de prédios verdes, com descontos de até 50%, ou mesmo, isenção de IPTU e ITBI, além de redução de ISS durante as obras e após o habite-se.

Espera-se que essa medida sirva de exemplo para os demais municípios brasileiros, principalmente agora que cresce o número de construções sustentáveis, sendo o Brasil o quarto país no ranking mundial de construções verdes, com 46 prédios certificados e 506 em processo de certificação, atrás apenas dos Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e China [3].

O Leed (Leadership in Energy and Envirnonmental Design), criado pelo U.S. Green Building Council e implantado no Brasil em 2007, é um sistema classificado por níveis de condutas ambientalmente corretas e é o que mais certifica no país. Este sistema fornece padrões e diretrizes de projetos para poder medir a eficiência e a sintonia com o meio ambiente. As categorias de desempenho avaliadas pelo sistema do U.S. GBC são: desenvolvimento sustentável do local; eficiência da água; energia e atmosfera; materiais e recursos; qualidade ambiental interna; inovação e processo de projeto.

Em Fortaleza, por exemplo, o LC Corporate Green Tower é o primeiro edifício comercial com Pré-certificação LEED Silver (Leadership in Energy and Environmental Design). O projeto segue os modernos conceitos de sustentabilidade, maximizando o aproveitamento de recursos como energia e água, além de minimizar seus impactos ambientais.

No setor energético, a Resolução n. 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL promoveu um estímulo a geração de energia limpa no Brasil, estabelecendo condições gerais para acesso de microgeração e minigeração de energia em residências e condomínios, prevendo o sistema de compensação de energia elétrica.

Também o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA vem sendo denominado de IPVA Verde, quando voltado ao fomento à circulação de carros mais eficientes no controle da emissão de gases. Já são sete estados brasileiros com alíquota zero para veículos não poluentes. São eles: Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe. Em Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo as alíquotas para os veículos não poluentes são reduzidas.

Recentemente o Rio de Janeiro anunciou uma medida pioneira no Brasil, que será a criação da Nota Verde com previsão de maiores descontos do IPVA para os carros novos menos poluentes a partir de 2013. Também há previsão de maior controle para os carros antigos e que causem maior poluição, tal qual já ocorre em muitos países da Comunidade Europeia.

No âmbito federal, o governo anunciou através da Lei n. 12.715, de 17/09/2012, o novo regime automotivo brasileiro - Inovar-Auto que será válido entre 2013 e 2017, cuja regulamentação está prevista no Decreto n. 7.819, de 03/10/2012. Nessa legislação há a previsão de redução do IPI como incentivo as empresas que invistam em processos de fabricação e uso de componentes mais eficientes para reduzir o consumo de combustíveis e minimizar a poluição. A intenção do novo regime é propiciar a elaboração de carros mais eficientes, modernos, baratos e com menos emissão de carbono.

O ICMS Ecológico, apesar de não tratar propriamente de um tributo, mas sim, de transferência da receita desse imposto aos municípios, funciona como um incentivo aos municípios que incrementem sua gestão ambiental, proporcionando um maior índice de participação no montante do ICMS arrecadado. Ele tem fulcro no art. 158 da onstituição Federal brasileira que permite aos Estados definir em legislação específica, parte dos critérios para o repasse de recursos do ICMS aos seus municípios, que no caso são elaborados com base em indicadores ambientais. Muitos são os Estados brasileiros que já adotam o ICMS Ecológico, destacando: Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Tocantins [4].

Entre as medidas que ainda estão no papel, destaca-se o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 1, de 2012, que pretende alterar o artigo 150 da Constituição para “instituir imunidade de impostos incidentes sobre produtos elaborados com material reciclado ou reaproveitado”. A previsão do incentivo fiscal merece destaque, porém, entende-se desnecessário o instrumento normativo pretendido, considerando que a isenção seria o meio mais adequado.

Também tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 493, de 2007, que regulamenta o tratamento diferenciado de produtos e serviços em razão do impacto ambiental que causem, com fulcro no art. 170, VI, e art. 146-A, da Constituição.

Daí a importância hoje de novas perspectivas da tributação ambiental sob o aspecto estrutural, que vai muito além da mera imposição tributária, alcançando necessariamente os incentivos fiscais.

Nosso entendimento em relação ao direito brasileiro é no sentido de que todas as espécies tributárias podem e devem incluir em sua motivação o critério ambiental, passando esse princípio geral da atividade econômica, previsto no art. 170, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil [5], a integrar o rol dos princípios fundamentais do Direito Tributário, que numa visão sistêmica, deve ser compreendido como a vedação a instituição, majoração ou redução de tributo sem a devida observância da defesa do meio ambiente.

Dessa forma, o que há é uma remodelação ecológica [6] do sistema tributário nacional, que deve considerar o meio ambiente como uma diretriz necessária, inclusive, redirecionando ecologicamente os tributos que não tinham na sua origem tal preocupação.

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[1] Pós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Mestre pela UFC. Professora de Direito Tributário e Financeiro da Graduação e Pós-graduação/UFC. Líder do Grupo de Pesquisa em Tributação Ambiental UFC/CNPq. Procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: deniluc@fortalnet.com.br.

[2] Sobre essa questão ver: CAVALCANTE, Denise Lucena. Sustentabilidade financeira em prol da sustentabilidade ambiental. In: Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Cadernos IDEFF Internacional, n. 2, Coimbra: Almedina, 2012, p. 95-208.

[3] U.S. GREEN BUILDING COUNCIL. Green building facts. Disponível em: < https://www.usgbc.org/ShowFile.aspx?DocumentID=18693 >. Acesso em: 18 ago. 2012.

[4] Maiores informações em: < http://www.icmsecologico.org.br > .

[5] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios: I – [...]; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

[6] Tipke e Lang utilizam essa expressão com propriedade: “Em princípio há duas vias, a remodelação ecológica de impostos existentes e a complementação do sistema tributário por novos impostos. Conforme a regra tributária de Canard ‘velhos tributos são bons tributos’ devem em primeiro lugar os tributos existentes ser adaptados em concordância com o princípio da capacidade contributiva. Assim não deve o consumo atual ser por mais tempo preferido e impostos, que com o princípio da capacidade contributiva não são justificáveis, podem como os impostos prediais ser ecologicamente redestinados. Novos impostos que devem estabelecer um preço ecologicamente justo, necessitam acima de tuda da harmonização internacional. Esforços nacionais isolados deformam a concorrência internacional tão gravosamente, que considerando o mercado de trabalho o princípio da carga ecológica não pode persistir.” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Tradução de Luiz Dória Furquim. Título original: Steuerrecht. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 446).

 Fonte: Afisvec