STF inicia julgamento sobre acesso do Fisco a dados bancários sem ordem judicial
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na sessão extraordinária desta quarta-feira (17) o julgamento de cinco processos que questionam o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, regulamentado pelo Decreto 3.724/2001, que permite aos bancos fornecerem dados bancários de contribuintes à Receita Federal, sem prévia autorização judicial. O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira (18) com o voto dos relatores e dos demais ministros.
O tema está em discussão no Recurso Extraordinário (RE) 601314, com repercussão geral reconhecida, e em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que também contestam a flexibilização do sigilo das operações financeiras. Ajuizadas por partidos políticos e confederações patronais, as ações sustentam que o dispositivo é inconstitucional por violação ao artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.
No RE 601314, de relatoria do ministro Edson Fachin, um contribuinte questiona acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por unanimidade, considerou válido o artigo 6º da LC 105/2001. O contribuinte questiona tanto o acesso aos dados, quanto o seu uso, por meio de cruzamento de informações, para checar possíveis divergências entre a declaração fiscal de pessoas físicas e jurídicas e os valores apurados pela Receita a título de créditos tributários. O julgamento deste recurso vai liberar 353 processos sobrestados em todo o País à espera do entendimento do STF sobre o tema.
As quatro ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas para questionar os dispositivos que permitem acesso aos dados bancários protegidos por sigilo são de relatoria do ministro Dias Toffoli, que preparou relatório e voto conjunto para julgamento. Na ADI 2390, o Partido Social Liberal (PSL), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) argumentam que não cabe às autoridades tributárias terem acesso às movimentações bancárias de qualquer cidadão sem autorização judicial, sob pena de violação de direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
Argumentos semelhantes são apresentados individualmente na ADI 2386 ajuizada pela CNC que alega ofensa ao princípio da razoabilidade, por entender que o “monitoramento indiscriminado” não é indispensável para a eficiente fiscalização tributária; como também na ADI 2397, ajuizada pela CNI. Na ADI 2859, o PTB questiona o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 e também os Decretos 4.489 e 4.545, ambos de 2002, que regulamentam a prestação de informações por parte das instituições financeiras à Receita Federal.
Sustentações orais
A defesa do contribuinte, autor do RE 601314, sustentou que o artigo 6º da LC 105/2001 contraria o artigo 5º, incisos X (princípio da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas) e XII (princípio da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas), da Constituição Federal. Para a defesa, se todos os dados dos contribuintes estiverem disponíveis às autoridades fiscais, sem a autorização da Justiça, haverá um estado de fiscalização contínua.
O advogado da CNI sustentou que a LC 105/2001 é arbitrária ao permitir que a Administração Pública quebre o sigilo de dados fiscais sem a permissão do Judiciário e de modo permanente. Na sua avaliação, somente a Justiça tem a capacidade de ponderar em caso de conflito entre o direito individual e o interesse público. “O Judiciário é o responsável pela reserva de jurisdição. Não é dado ao Estado administrador quebrar sigilo de dados”, assinalou. O advogado do PSL destacou a jurisprudência do STF no sentido da necessidade da autorização judicial para a quebra do sigilo fiscal.
As representantes da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Advocacia Geral da União (AGU) destacaram que, em nenhum momento, a LC 105/2001 permite a quebra de sigilo bancário, mas sim a transferência do dever de sigilo. Argumentaram que o Fisco não pode ficar “refém" da declaração unilateral dos contribuintes, sem que possa efetivamente averiguar sua capacidade contributiva, por isso a lei teria resolvido “uma debilidade do sistema”.
Os argumentos de que a lei atinge contribuintes de forma indiscrimanda foram rebatidos da tribuna, com a informação de que o pedido de requisição de movimentação financeira somente é encaminhado quando diagnosticadas inconsistências, não havendo lugar para casuísmos. Segundo dados da AGU, em apenas um exercício financeiro, foram identificadas cerca de 10 mil pessoas jurídicas que movimentaram valores em torno de R$ 15 milhões no âmbito das instituições financeiras, valor dez vezes superior ao efetivamente declarado, o mesmo ocorrendo em relação às pessoas físicas.
Amici curiae
Na qualidade de amicus curiae, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que a Instrução Normativa 1.571, de 2 de julho de 2015, da Receita Federal, obriga as instituições financeiras, empresas de seguro e capitalização, clubes e fundos de investimentos a prestarem informações sobre a vida do contribuinte no período anual e mensalmente, portanto esse compartilhamento de informações é automático e não decorrente de procedimento administrativo, como sustenta a União. O representante da OAB manifestou o temor de os dados protegidos por sigilo caírem “em mãos de arapongas”.
O Banco Central defendeu a constitucionalidade da LC 105/2001. Para a entidade, o direito ao sigilo não é absoluto, devendo ceder espaço à atuação eficiente e colaborativa de órgãos públicos que, em defesa do interesse público, trabalham para prevenir e combater graves ilícitos que atingem a sociedade, para promover isonomia e justiça tributária e para supervisionar os mercados financeiro e de capitais. Na sustentação foi dito que será impossível ao Banco Central zelar pela moeda e pelo sistema financeiro em que a moeda circula sem acesso a esses dados.
PGR
Em sua manifestação pela constitucionalidade da lei, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contestou os argumentos de que o acesso dos órgãos de controle aos dados bancários e financeiros seria uma indevida fiscalização contínua. Janot citou que em países democráticos, como os Estados Unidos, existe esse tipo de controle e que lá qualquer transação bancária acima de U$10 mil deve ser automaticamente comunicada às autoridades tributárias. Segundo Janot, “não é novidade brasileira o acesso a esses dados”, não havendo quebra de sigilo, mas extensão do sigilo bancário à Receita Federal, que já detém responsabilidade sobre o sigilo fiscal.
Fonte: STF