REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Apoio de entidades é disputado nas eleições
Postulantes querem vincular seus nomes a grupos organizados da sociedade. Efeito nem sempre é o esperado
Tentando atrair parte do eleitorado e demonstrar capilaridade política, candidatos majoritários associam as campanhas ao apoio de organizações sociais diversas, como sindicatos, associações de bairros, movimentos sociais e entidades de classe. Apesar de o efeito dos apoiamentos não ser garantido, postulantes vendem ao eleitor a ideia de que são legitimados por essas representações da sociedade civil, embora nem sempre a informação divulgada seja verdade.
No site dos pleiteantes Camilo Santana (PT) e Eunício Oliveira (PMDB), ambos concorrentes ao Executivo cearense, estão disponíveis menus com vídeos e depoimentos de apoios aos candidatos. Diretor nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), Ivo Braga aparece em uma foto posando ao lado de Camilo Santana, que tem investido no discurso de que é um jovem trabalhador. Por sua vez, o presidente dos taxistas do Ceará, Vicente Oliveira, pede votos para Eunício Oliveira em vídeo publicado no site do postulante.
O professor Marcus Ianoni, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que as organizações fazem o meio de campo entre políticos e sociedade e acabam se tornando referência como lideranças. "Se moro num bairro que tem problemas e temos uma associação de moradores, essa diretoria representa ou deveria representar os desejos do bairro", exemplifica.
Ianoni acrescenta que candidatos e lideranças políticas costumam investir em grupos setorizados, apresentando propostas específicas para aquele segmento. "As associações convidam os candidatos para que os associados conheçam quais são os que têm identificação com educação, por exemplo. É possível que naquela seleção eles escolham os candidatos que preferem", opina.
Influência
O especialista justifica que o partido político é o elo entre o eleitor e o representante eleito. Isso porque o sistema político brasileiro só permite candidaturas vinculadas a legendas, diferentemente da experiência de outros países. Porém, outras entidades também são representantes de cidadãos e muitas delas sofrem influência de partidos políticos, complementa.
"É um meio de organização e influência legítima, tanto que vários partidos têm bases nessas associações", declara. O docente cita exemplos de lideranças nacionais que tiveram militância política em movimentos organizados, como a candidata à Presidência da República Marina Silva e o ex-presidente Lula.
Marcus Ianoni pondera que o potencial para arregimentar votos depende do histórico e credibilidade das entidades. "As categorias têm diferentes poderes de fogo. Uma organização nova não tem tanta influência e história que uma mais antiga. A maioria das categorias já existe há bastante tempo", detalha.
O cientista político diz acreditar que a credencial de uma associação amplia o potencial de persuasão de um líder de opinião, mas destaca que o efeito depende de outros aspectos. "Uma liderança que chegue numa comunidade, num bairro em que haja indecisos pode influenciar. Só o fato de ser liderança dá a essa pessoa uma condição privilegiada", alega, destacando que ele só terá força política se o público que o recepciona legitimá-lo como liderança.
O pesquisador arrisca que o impacto dessas entidades é significativo nas eleições, embora não envolvam a totalidade dos eleitores. "Pode ser que não atinja nem a metade do eleitorado, mas o Brasil não é tão desprezível em termos de organização social. Elas têm uma representatividade e impactam no contingente do eleitorado mais bem informado. Podem ser fã-clubes, torcidas organizadas, tudo isso implica", pontua o docente.
Igreja
Além de organizações como sindicatos, organizações não governamentais, movimentos sociais e entidades de classe, o professor da Universidade Federal Fluminense aponta que igrejas também atraem apoios políticos.
O sociólogo Marcos Colares, professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), afirma que alguns apoios que os políticos dizem receber não configuram verdade, mas a rapidez das redes sociais, opina, propicia a divulgação dessas informações. "O eleitor mais esclarecido vai cobrar do seu sindicato se aquela declaração é verdade. O menos esclarecido, não", diz.
O especialista pondera que não é automática a transferência de votos do político para os associados de uma organização que declara apoio ao candidato. "Não basta dizer que fechou apoio. Já estamos há 30 anos do fim do regime militar no Brasil. As pessoas já não acreditam mais tanto", justifica.
Marcos Colares reforça que a atitude do eleitor muda de acordo com fatores como a instituição pela qual é representada, grau de instrução e veracidade da informação. "Em alguns casos, sindicalizados poderiam fazer uma provocação ao presidente do sindicato, escrever um artigo e publicar na imprensa ou até pedir a desfiliação. O resultado muda de acordo com a interpretação", declara.
Terceiro setor
A cientista política Patrícia Teixeira, professora da Universidade do Vale do Jaguaribe, argumenta que o Brasil tem um histórico de organizar movimentos que representam a sociedade, até mesmo antes do regime militar, na década de 1960. "No início dos anos 80, o terceiro setor vem com muita força, porque a Constituição Federal abre muito espaço para a sociedade civil", rememora.
"Essas organizações são representativas de uma parcela da população, apesar de algumas funcionarem como partidos políticos. Os movimentos não são aleatórios, eles estão lá por alguma causa objetiva e têm poder de organização e mobilização. O próprio Lula veio de um movimento operário", completa.
Teixeira frisa que a maneira como as associações atuam é diferenciada no Capital e Interior. "Na Capital, pelo tamanho, se torna mais dissipado, acontece mais nas associações de bairro. O candidato que vai ao Interior se articula com lideranças dos movimentos antes de chegar. É muito mais inteligente chegar num grupo do que isoladamente", compara, ponderando que gradualmente tem crescido nos municípios menores o nível de conscientização do eleitorado.
Repórter: Lorena Alves
Fonte: Jornal Diário do Nordeste