MUNDO - O futuro da economia traçado em Fortaleza
A 6ª Cúpula dos Brics, que será sediada em Fortaleza, irá traçar uma nova etapa, que terá, possivelmente, como marco a criação do Banco dos Brics. O POVO entrevistou especialistas para saber o que eles pensam sobre esse novo caminho
O panorama da economia mundial ganha novos traços, formulando uma nova história que começa a ser escrita na VI Cúpula dos Brics – grupo formando por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que será sediada em Fortaleza, hoje e amanhã, no Centro de Eventos. O encerramento acontece na quarta-feira em Brasília.
“Mesmo que ainda não haja um grupo econômico formalizado, o evento é extremamente importante porque está decidindo assuntos mais homogêneos, de captação, como o Banco dos Brics e seu arranjo internacional, além de aprofundar a discussão sobre a moeda local que terá relação com o mercado internacional”, afirma o presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon), Henrique Marinho.
Para o Ceará, na visão de Henrique, trata-se de um marco, pois estará recebendo um evento de grande porte, onde empreendedores locais terão contato com importantes empresários de grandes potências, como China. “O Estado já provou que é capaz de sediar um grande evento de lazer e turismo, que é a Copa do Mundo. Agora, o Ceará será testado para o turismo de negócio”, diz.
O professor especialista em relações internacionais da Mackenzie, Francisco Américo Cassano, ressalta que, em meio a este novo panorama, o Banco dos Brics, que será o marco da institucionalização do grupo, apresenta-se como uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BIRD), possibilitando maior independência e facilidade de crédito em moeda de aceitação universal (US$).
No entanto, o professor adverte que há obstáculos dentro dessa estruturação. “Ocorre que as instituições tradicionais (FMI e Bird) são rigorosas na concessão de crédito, pois se compõem de recursos dos próprios países membros. Dessa forma, têm que zelar por esses recursos e estabelecem regras e imposições duras a fim de garantir o retorno dos recursos concedidos aos países necessitados”, explica.
Cassano analisa que, se o Banco dos Brics adotar postura mais flexível, correrá o risco de perder recursos ao longo do tempo e os países membros terem que socorrer o banco continuadamente. “Isso, na prática, não é um bom negócio”, comenta. Segundo o especialista, as tensões entre os países membros e o resto do mundo existem. Elas estão entre a Rússia e a Ucrânia, ou na China, em guerra comercial com outras potências, por exemplo.
“As economias mais avançadas passaram a buscar novos caminhos alternativos, onde o baixo custo de produção ganha mais destaque. É nesse cenário que a China começa a despontar como economia expoente”, define. De acordo com Cassano, países com mercados mais dinâmicos, produção mais competitiva, tornam-se atraentes.
“A ampliação do comércio internacional é decorrência desse novo ciclo. Países com maior população e maior capacidade de produção se tornam mais atraentes e, nessa linha, se transformam em emergentes, como ocorre com Brasil, Índia, Rússia e África do Sul”, especifica.
O professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Roberto Feldmann, acredita que o fato novo é o crescimento dos países emergentes, mas reforça que essa qualidade extrapola as fronteiras dos Brics. “Há outros países muito importantes como México, Turquia, Indonésia e Polônia que apresentam grande potencial”.
NÚMEROS
42 por cento da população mundial está nos Brics
PAÍSES - Tem união, mas falta acordo
Na opinião de especialistas do setor econômico, a união entre os cinco países poderá fazê-los maiores, mas isso só ocorrerá se houver uma sede, um líder e uma constituição entre o grupo
“O que é valoroso é a ideia de que os Brics poderão chegar mais longe caso se unam”, afirma o professor João Bosco Monte, presidente do Instituto Brasil-África, pós-doutor em relações internacionais, ressaltando que antever o futuro do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é uma “tarefa perigosa”, já que falta o “tripé de sustentação”.
“É preciso haver uma secretaria, um endereço, uma sede, mas nada disso está definido. Também é importante que haja uma liderança. Quem é o porta-voz do grupo? Não há. É necessário que haja ainda um marco, uma constituição, um estatuto. Sem isso não conseguiremos ver uma ação orquestrada, longeva e funcional”, afirma.
Questionado sobre o que representa a 6ª Cúpula dos Brics, que será sediado em Fortaleza, entre hoje e amanhã, o professor utilizou um antigo provérbio africano para delimitar seu pensamento sobre o conceito de “união”, que pode se dar no encontro: “Se você quer ir rápido, vá sozinho, se você quer ir longe, vá acompanhado”.
Para Bosco, o que vai acontecer em Fortaleza não pode ser visto como algo que dará resultados em curto prazo. Segundo ele, a cidade representa o evento “simbolicamente”. “Estão previstos a assinatura, em Brasília, de aproximadamente 400 documentos em diversas áreas entre a China e o Brasil. São acordos bilaterais, o que é muito importante”, frisa. “A foto oficial será feita em Fortaleza, mas é em Brasília, que de fato vai se formar o músculo dessa operação”, acrescenta.
O professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Roberto Feldmann, pontua que o mundo esta tornando os países mais dependentes uns dos outros, mas isso não os afasta de antigas potências. “Os mercados das potências tradicionais já são enormes e sempre serão fundamentais para os Brics, como mercado de acesso ou venda de produtos”, avalia.
Para o professor especialista em relações internacionais da Mackenzie, Francisco Américo Cassano, “a dependência das potências tradicionais não se elimina apenas com vontade política”. Conforme o especialista, a formalização da integração econômica necessita de acordos que permitirão a eliminação de tarifas e não apenas a criação de um banco do grupo. (Janaína Marques)
NÚMEROS
400 - Previsão de acordos entre Brasil e China
Programação
A VI Cúpula dos Brics e Fórum Empresarial
Hoje
14h: abertura
14h: reunião de ministros e presidentes de bancos centrais
Das 14h às 18h20min: foro empresarial
Das 14h às 16h: palestra perspectivas Econômicas Integração Econômica
Das 16h15min às 17h30min: palestra: Perspectivas de Integração Comércio, investimento, fluxo de pessoas e regulação
Amanhã
A partir das 10h: chegada de chefes de estado
Das 10h às 10h30min: Dilma Rousseff cumprimenta chefes de estado
10h30min: primeira cessão de trabalho da cúpula
12h30: foto oficial
Almoço
15h: assinatura de atos, seguidos de discursos dos chefes de estado
16h: show cultural
18h: partida para Brasília
Encontro empresarial dos Brics
Saiba mais
Fortaleza sedia debate sobre desenvolvimento dos Brics
Representantes de movimentos e organizações sociais do grupo que compõe o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) se reunirão, em Fortaleza, para o encontro “Diálogos sobre Desenvolvimento: o Brics na perspectiva dos povos”, nos dias 14 e 16 de julho.
O objetivo é discutir a construção de uma ação articulada das sociedades civis organizadas dos países Brics. Além de buscar fortalecer alianças contra o atual modelo de desenvolvimento econômico, que tem sido marcado também por invasões de territórios e violações de direitos.
Repórter: Janaína Cavalcante
Fonte: Jornal O Povo