Eleições levam Congresso a ignorar pacto fiscal
25/04/2014.
A proximidade da eleição tem tornado cada vez mais frágil o pacto de responsabilidade fiscal feito pelos líderes partidários com a presidente Dilma Rousseff no fim do ano, com a promessa de que não seriam aprovados projetos que causassem gastos ou perda de receita para os cofres públicos até o fim de 2014.
Pressionados por suas bases eleitorais, deputados e senadores aprovaram nesta semana três projetos que vão criar gastos para União e Estados e abriram caminho para que outras categorias reivindiquem a votação de benefícios. A maior preocupação do Palácio do Planalto no momento é o piso nacional dos agentes comunitários de saúde e endemias, proposta que tem apoio de todos os partidos e que o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), promete votar dia 13 de maio em plenário. O impacto estimado pelo governo federal sobre os cofres municipais seria de R$ 2 bilhões no primeiro ano e a União teme ser convocada a compensar essa despesa.Para os líderes partidários ouvidos pelo Valor, o pacto de responsabilidade fiscal permanece inalterado, mas a aprovação ou não de medidas com impacto financeiro vai depender de que entrem em pauta ou não. "Estamos perto da eleição, ninguém vai ser louco de orientar a bancada a votar contra um projeto que beneficie uma categoria que renda muitos votos. Qualquer matéria nesse sentido vai ser aprovada por unanimidade", disse um dos líderes.
Ao Valor, Alves disse que não participou do acordo no fim do ano, mas afirmou que o impacto fiscal das propostas aprovadas é "responsável". "Não aprovamos nada que seja irresponsável. São projetos que estão há anos nesta Casa e chegou o momento de votá-los. É o papel do Legislativo interpretar as demandas da sociedade e atendê-las", afirmou.
Esta semana, a Câmara aprovou a incorporação dos servidores dos ex-territórios federais do Amapá e de Roraima ao quadro da administração federal (que o governo bloqueou por muito tempo, mas aceitou votar na anteontem por entender que ainda vai passar pela análise do Senado); e a aposentadoria especial para policiais mulheres, que vai reduzir o tempo de serviço de 30 anos para 25 anos para cerca de 4 mil servidoras.
O segundo projeto jogou uma bomba no colo da presidente Dilma Rousseff, que agora deve decidir se vai vetar - e colher os custos políticos disto - ou sancionar a lei - e ver comprometido o discurso pela responsabilidade fiscal e o alcance da meta de superávit primário (economia feita pelo governo para pagar juros da dívida).
O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), ficou isolado ao defender que a aposentadoria especial não fosse aprovada, com o argumento de que daria espaço para que outras categorias pressionassem pela ampliação de benefícios. Até o PT votou contra a orientação oficial e a derrota foi esmagadora: 343 votos sim e 13 não.
Para o líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), há bandeiras históricas do partido em que o pacto tem que ser mais "flexível". "Existem alguns casos, que não são muitos, em que temos que ser mais tolerantes", diz. O piso dos agentes de saúde, que o PT vai discutir com o governo antes da votação, é uma destas situações. "Ainda não sei como vamos votar, mas a grande maioria da bancada é a favor", afirma.
O Senado federal, por sua vez, aprovou na quarta-feira o pagamento de indenização de R$ 25 mil e pensão de dois salários mínimos para 12 mil pessoas recrutadas na Segunda Guerra para trabalhar como seringueiros na Amazônia e seus dependentes. O projeto foi à sanção presidencial.
O movimento contrasta com a chegada do deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) ao comando da Secretaria de Relações Institucionais. A gestão da ministra anterior, Ideli Salvatti (PT), foi marcada por ferrenhos embates para que nenhum projeto com impacto fiscal fosse aprovado, por menor que fosse. A perspectiva de aprovação de uma "pauta bomba" era citada em todas as entrevistas de Ideli como argumento para manter trancada a pauta de votações da Câmara com urgências constitucionais.
Com Berzoini, segundo apurou o Valor, a ordem é não brigar por qualquer projeto para não tensionar desnecessariamente a relação com a base aliada. O Planalto entende que esse movimento do Legislativo é natural perto da eleição e pretende deixar a cobrança de fidelidade para temas mais polêmicos, como segurar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 300 que cria piso nacional para os policiais militares, com impacto de até R$ 46 bilhões nos cofres públicos.
Para o vice-líder do PT, deputado Lincoln Portela (MG), há um grande grupo de defensores da proposta na Câmara, mas é improvável a votação este ano. "O governo não quer reparar esse erro histórico. Mas já começaram a explodir greves em todo o país e principalmente na Copa", diz. "Agora, se for colocado em pauta, como é que vou votar contra um projeto que favorece a população?"
Repórter: Raphael Di Cunto - De Brasília
Fonte: Valor Econômico