Dilma afirma que fará ajuste fiscal sem desemprego
"Vamos fazer um ajuste das contas do governo"
A presidente reeleita Dilma Rousseff anunciou que fará cortes de gastos e um ajuste fiscal em seu segundo mandato. Na primeira entrevista a jornais impressos, ela também prometeu apertar o controle da inflação. Descartou reduzir a meta para menos de 4,5%, se negou a falar sobre juros e afirmou que o país que conseguiu melhor enfrentar a crise internacional foi o pragmático Estados Unidos, que fez tudo o que se dizia que não deveria ser feito: salvou os bancos, as empresas privadas e fez expansão monetária.
Nomes da futura equipe econômica só quando a presidente voltar do encontro do G-20, na Austrália. Dilma não tem compromisso com uma data e afirmou que o anúncio será feito nas semanas seguintes ao retorno e enfatizou o plural. A política econômica dos próximos quatro anos pode até ganhar contornos mais ortodoxos, mas ela não deu sinais de guinada: "Vamos fazer uma política de controle da inflação que leva em conta o fato de que não vamos desempregar nesse país. Ponha isso na cabeça", afirmou Dilma.
O segundo mandato também levará adiante o projeto de regulação econômica da mídia, que deve ser enviado ao Congresso no segundo semestre de 2015. "Liberdade de imprensa é uma das pedras fundadoras da democracia" e não se pode confundir regulação econômica com controle de conteúdo.
Sobre as denúncias de corrupção na Petrobras, garantiu: "Não vou engavetar nada, não vou pressionar para não investigarem e quero todos os responsáveis devidamente punidos".
Bem humorada, apesar da febre que durou três dos quatro dias de férias na Bahia, a presidente mostrou os painéis da pintora Djanira que colocou no gabinete presidencial. A entrevista aos jornalistas escolhidos pessoalmente por ela foi no gabinete presidencial. A seguir, os principais momentos da entrevista:
Valor: Há duas questões que preocupam no seu segundo mandato. Uma é como, concretamente, o país pode voltar a cresce; e qual o compromisso do seu governo com as instituições?
Dilma Rousseff: Vou começar com o meu compromisso com as instituições. Minha geração tem um compromisso básico, se ela aprendeu alguma coisa com a democracia. Nós somos uma geração que viveu o horror da ditadura e perdeu direitos. Na democracia, até quem defende o golpe pode falar. Na ditadura, quem ousar falar em democracia dá cadeia. Então, o meu compromisso com as instituições é compromisso com a democracia. A partir daí, eu considero fundamental a separação dos Poderes. Essa independência não é para um ficar criando dificuldades para os outros. É para que nós estabelecermos uma relação de harmonia. Como em qualquer grande democracia, os momentos democráticos não são todos iguais e homogêneos. É mais difícil saber perder, mas saber ganhar também é difícil.
Valor: Por quê?
Dilma: Há uma tendência das pessoas quando ganham de achar que são os reis da cocadas preta. Não são. Quando você ganha um processo eleitoral, você tem de ter consciência de que a partir daí a sua responsabilidade é para com toda a sociedade. Eu vou ter governadores de situação e governadores de oposição. A minha relação com ambos vai ter que ser uma relação de parceria. O governador de São Paulo, Alckmin, divulgou no Painel da "Folha", que na terça-feira tinha me mandado oito propostas. Não tinha chegado até momento, mas logo depois chegou por e-mail, e nós estamos chamando ele para fazer uma discussão sobre as oito propostas que ele tem para a questão da água.
Valor: A senhora não acha que esse discurso não combina com a resolução do PT esta semana? A sra. subscreve o tom da nota?
Dilma: Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência da República, e a opinião do PT é uma opinião de um partido.
Valor: Até quanto ele influencia a senhora?
Dilma: Não me influencia. Eu represento o país, não represento o PT. Sou presidente dos brasileiros e acho que o PT, como qualquer partido, tem posições de parte, não do todo. É deles, é típico. E acho que essa questão das eleições que o PT queixa que houve xingamentos, agressões, as duas partes reclamam da mesma coisa. Se a gente tiver um pingo de cabeça fria vai ver que numa eleição ninguém controla o que se diz nas ruas e muito menos na rede social. Só se controla o que nós mesmos dizemos.
Valor: Voltando à questão das instituições, o PT defende o controle da mídia? Na sua posse a sra fez uma defesa da liberdade de imprensa.
Dilma: E ainda faço.
Valor: Agora voltou o tema pela radicalização da campanha...
Dilma: Para mim, não voltou por isso, não. A liberdade de imprensa é uma pedra fundadora da democracia. E acho que a liberdade de expressão talvez seja a grande conquista que emergiu de todo esse processo de redemocratização. A liberdade de expressão não é só liberdade de imprensa, mas também é o direito de todo mundo que tiver uma opinião, mesmo que você não concorde com ela, se expressar. O cara que fala contra a democracia tem direito de falar contra a democracia. Isso é um fundamento básico. Outra coisa diferente é confundir isso aí com regulação econômica, que diz respeito a processos de monopólio e oligopólio, que podem ocorrer em qualquer setor econômico onde se visa o lucro e não a benemerência.
Valor: O Cade não está aí para isso?
Dilma: O Cade está aí para isso em qualquer setor. Por que o setor de energia, petróleo, transporte tem regulação e a mídia não pode ter?
Valor: Quando a senhora fala de regulação econômica a senhora fala de propriedade cruzada?
Dilma: Estou falando do que ocorre em muitos países do mundo, centros democráticos. Ou alguém aqui desconhece a regulação que existe nos EUA e na Inglaterra que talvez seja das mais duras que tem, inclusive depois daquela história do "News of the World". Eu estou dando dois exemplos de situação que nós não temos de ser iguais. Eu não quero para nós uma regulação tal qual a inglesa ou tal qual a americana.
Valor: A situação do monopólio e oligopólio é propriedade cruzada?
Dilma: Você tem hoje inclusive o desafio de saber como é que fica a questão nas áreas das mídias eletrônicas. Onde que é livre mercado total? Tenderá a ser livre mercado rede social, acho que vai ser tendência crescente de ser livre mercado e aí teria de fazer uma discussão mais complexa sobre imprensa escrita, o que sobra e o que não sobra da imprensa escrita, qual o destino. Eu acredito que aí tenderá haver uma liberdade maior pela dificuldade dos órgãos de sobreviver.
Valor: A senhora não mistura esse tipo de regra ou normatização com mecanismos de censura?
Dilma: Não só não misturo como repudio. Eu não represento uma parte. Eu quero representar o todo. E acho que isso jamais poderá ser feito sem uma ampla discussão com a sociedade. É o tipo da coisa que exige consulta pública, amplo debate. Pretendo abrir um processo de discussão.
Valor: Quando?
Dilma: No primeiro ou segundo trimestre do ano que vem.
Valor: E como o Brasil poderá voltar a crescer?
Dilma: Acho que os países emergentes têm espaço para voltar a crescer mesmo nesse quadro complexo da economia dos desenvolvidos. Nós vamos ter que fazer o dever de casa, apertar o controle da inflação e vamos ter limites dados pela nossa restrição fiscal para fazer toda uma política anticíclica que poderia ser necessária, agora. Mas acho que temos alguns nichos que eles não têm.
Valor: Quais?
Dilma: Quando eu disse que a nossa política economica é de defesa e não de ataque, ao contrário do que diziam, estávamos defendendo que não houvesse uma queda brutal dos investimentos, que não houvesse uma queda da renda e do emprego. Por mais que se fale que o desemprego está inexoravelmente crescendo, não é isso que os dados demonstram, nem tampouco a renda está caindo. Até isso vamos ter que entender de maneira mais profunda.
Valor: Os empresários aguardam sinais do governo, os índices de confiança estão baixíssimos, parecidos com os do auge da crise em 2009...
Dilma: Como você explica o nosso investimento direto externo [US$ 64 bilhões], somos o quinto maior receptor de investimentos. Mesmo que parte disso seja reinvestimento é expansão de investimento.
Valor: A senhora disse que vai apertar o controle da inflação e limitar o fiscal. Isso significa subir os juros e cortar gastos públicos?
Dilma: Meu querido, sempre será cortar gastos. Agora, sobre juros não me manifesto, nem sobre cortar nem sobre subir. Não é uma questão da minha preferência, é que sobre isso eu não falo.
Valor: Quando será anunciado o nome do ministro da Fazenda?
Dilma: Eu pretendo fazer o anúncio da minha equipe econômica ao voltar do G-20, na semana, semanasss [risos]... seguintes.
Valor: Estou com uma sensação de que o Guido Mantega (ministro da Fazenda) pode não sair.
Dilma: Querida, essa é a sua sensação.
Valor: O Luiz Carlos Trabuco (presidente do Bradesco) foi convidado?
Dilma: Ele me telefonou para cumprimentar e disse que, como sempre ao longo desse processo, ele estava disponível para ajudar no que fosse necessário. Não significando, com isso, que ele estivesse se oferecendo para nada. Ele estava sendo gentil da mesma forma que o Abílio Diniz e outros tantos.
Valor: Não houve convite para ele ser ministro da Fazenda?
Dilma: Eu não conversei com ninguém a esse respeito. Não fiz nenhum convite sobre esse assunto. A minha equipe será divulgada na "semanasss" após o G-20.
Valor: A senhora mencionou corte de gastos...
Dilma: Não é só cortar gastos. Ao longo de um governo você descobre que várias coisas estão desajustadas, várias contas que podem ser reduzidas.
Valor: Por exemplo?
Dilma: Não vou divulgar coisa que ainda não conferi. O que estou dizendo é que essa visão de corte de gastos é similar àquela maluca, de choque de gestão, tá? Que vende o que não consegue entregar. Eu não vendo o que não consigo entregar. Nós vamos tentar um processo de ajuste de todas as contas do governo, vamos olhar cada uma com lupa, ver o que dá para reduzir, o que dá para tirar e inclusive mandar modificações para o Congresso.
Valor: Vai reduzir o número de ministérios (são 39)?
Dilma: Meu querido, acho que isso é outra lorota. Não posso hoje acabar com o de Portos e Aeroportos porque ainda temos que fazer os aeroportos regionais e, no caso dos portos, ainda estou tendo dificuldade de aprovar agora e vou ter que tirar, que por. Eu criei as secretarias de portos, aeroportos e micro e pequenas empresas. Esse, da micro empresa, entra na categoria "nem que a vaca tussa", porque estamos em um processo de olhar os problemas e equaciona-los para esse setor um fluxo de crescimento que eu acho que vai ser importante para o país voltar a crescer. Direitos humanos, mulheres e negros tem status político de ministério mas não têm estrutura. Querem acabar com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e juntá-lo com o agronegócio. Não são iguais, não têm similaridade e não se pode fazer política igual para ambos. Um ganha R$ 156 bilhões (Agricultura), o outro ganha R$ 24 bilhões (Desenvolvimento Agrário). A diferença é essa. Por que não põe a Pesca junto? Por que ela está para sair do chão. A pesca vai decolar e precisa decolar para poder ir para outro (ministério). A questão do gasto não é fechar ministério. A questão do gasto é outra e não vou dizer quais são...
Valor: Pensão por morte no Brasil consome 3% do PIB...
Dilma: Essa é uma.
Valor: O seguro desemprego custa R$ 50 bilhões e a taxa de desemprego hoje é a menor da história.
Dilma: O seguro desemprego é um grande patrocinador de fraudes.
Valor: O governo cogita zerar a meta de superávit primário deste ano?
Dilma: Nós ainda estamos fazendo estudos e até metade da semana que vem já devemos saber o que vai ser.
Valor: A senhora pretende retomar reformas estruturais como, por exemplo, a da previdência?
Dilma: Em que direção?
Valor: Trocar o fator previdenciário por um limite de idade, por exemplo?
Dilma: Na direção da campanha era liberou geral.
Valor: Não poderia ser a combinação de idade com tempo de contribuição, de 85 para as mulheres e de 95 para os homens?
Dilma: Nós tentamos essa fórmula, você não se lembra? O relator da proposta era o deputado Pepe Vargas, mas não houve acordo. Mas isso aumenta gasto.
Valor: A senhora, então, não pretende mexer no fator previdenciário?
Dilma: Nós vamos abrir a discussão. Sempre abrimos a discussão, olhando também a consistência e a situação em que vai ficar a previdência depois. Não queremos prejudicar os aposentados, mas também não queremos explodir a previdência.
Valor: Como pretende enfrentar a inflação?
Dilma: Eu temo que no quadro de deflação internacional as pressões inflacionárias fiquem mais diluídas. Elas já estão mais diluídas uma vez que os preços externos estão todos cadentes. Além disso, tudo indica que os anos de seca mais duros no país estão passando. haverá tendência de redução da seca no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste e não teremos essa pressão monstruosa que houve no Brasil.
Valor: Mas ainda haverá problema de oferta de água em 2015, não?
Dilma: Não há certeza disso não.
Valor: Mas terá de tarifas?
Dilma: Se uma coisa não tem, a outra não tem. A forma pela qual se forma o preço (PLD) cai de R$ 300 para zero em um dia.
Valor: Mas os custos das usinas térmicas e algum momento terão que ser pagos.
Dilma: Vocês acham que elas não foram pagas. Nós pagamos o uso das térmicas. Um dos gastos que tivemos no nosso orçamento deste ano foi o pagamento delas. Acho interessantíssimo, pois estaríamos hoje na situação de São Paulo se não tivéssemos 20 mil Megawats de térmicas. Se quer reduzir o risco, você paga por isso.
Valor: A senhora disse que toda a conta foi paga?
Dilma: Esta conta foi paga ao longo desse ano todo.
Valor: Mas ainda tem despesas para o ano que vem?
Dilma: Olha o nível de aumento das tarifas de energia. Vocês botam isso e esquecem? Inclusive aquela história do represamento de preços... Onde está o tarifaço? Ele já aconteceu! Essa história de que nós represamos a tarifa de energia é lorota.
Valor: Está para sair o reajuste da gasolina?
Dilma: Eles [a Petrobras] definiram o reajuste.
Valor: Os vizinhos crescem dois pontos percentuais a mais do que o Brasil.
Dilma: Não é verdade. Todos eles dependem de commodities e já começaram a reduzir seu nível de crescimento. Só tem um [o Chile] que mantém e que sempre me interessou muito: porque é que o preço do cobre não cai numa conjuntura de queda geral? Em um quadro de commodities em queda, a América Latina vai sofrer feio.
Valor: Mas o que a senhora espera para 2015?
Dilma: Espero que essa queda das "commodities" não resulte em algo muito duradouro porque eu andei conversando e me disseram que não é tanto a China, porque ela está mantendo as compras. O problema maior é a queda nas compras da União Europeia. Se você perguntar ao pessoal da Vale onde diminui mais, vão dizer que é na União Europeia.
Valor: E no caso do Brasil?
Dilma: Eu não tenho aqui nenhuma pretensão de fazer uma prospecção para o futuro. Eu posso dizer o que eu espero. A minha esperança é o Brasil terá uma recuperação. Enquanto isso, eu espero que o mundo também tenha porque aí a nossa recuperação será potencializada. Por isso que eu torço para que os pragmáticos continuem sendo pragmáticos e para que os não-pragmáticos fiquem um pouco mais pragmáticos. Eu tenho certeza que tanto a China quanto União Europeia serão fatores decisivos. O meu interesse na reunião do G-20 é ver como é que estão encarando esse futuro.
Valor: E o dever de casa que a senhora disse que fará?
Dilma: No Brasil, vamos fazer a nossa parte. Até agora nós não deixamos o barco cair ou afundar, mantivemos o nível de investimento, num sufoco danado, mantivemos também o emprego e a renda. Emprego e renda é mercado de consumo, investimento em infraestrutura é pré-condição para a produtividade. Tomamos providência para desonerar as empresas. Na desoneração perdemos quase R$ 70 bilhões. Não me arrependo.
Valor: A senhora falou só do impacto da crise externa sobre a inflação.
Dilma: Não, eu acho que temos problemas internos. O mundo tem deflação.
Valor: Esse quadro que a senhora coloca agora, que precisa de ajuste, não alimenta o discurso oposicionista de que houve um estelionato eleitoral?
Dilma: Por que? Eu não concordo com isso. Eu não estou falando que vou fazer o arrocho que eles falavam. Pelo contrário, estou dizendo que vou manter o emprego e a renda.
Valor: Há deflação no exterior e uma inflação interna que é uma das mais altas do mundo. A senhora pretende reduzir a inflação para um patamar menor e mexer no intervalo de tolerância?
Dilma: Eu não pretendo mexer no intervalo de tolerância da inflação. Não pretendo fazer isso. Eu pretendo reduzir a inflação e não reduzir a meta de inflação.
Valor: A ideia é fazer um esforço fiscal maior para fazer um política monetária mais branda?
Dilma: Nós vamos fazer uma política de inflação que leva em conta o fato também de que nós não vamos desempregar nesse país. Ponha isso na cabeça.
Valor: Mas essa é uma variável que independe do governo, não presidente?
Dilma: Você é que acha!
Valor: Não falamos sobre a penosa situação da indústria...
Dilma: Fica para a próxima.
Fonte: Valor Econômico