DE ACORDO COM ANALISTAS - Cenário indica necessidade de racionamento em 2015
Falta de campanha contra desperdício e situação de barragens colocaram em xeque o abastecimento no País
O baixo volume nas barragens onde também se gera eletricidade aliado à falta de uma campanha de uso consciente da água e da energia pela população estimulada por governo e setor produtivo ainda no começo deste ano, quando todo cenário atual foi previsto, foram cruciais para a situação de desabastecimento pelo qual passa o País e fizeram com que especialistas do setor elétrico diagnosticassem um futuro drástico, porém quase irreversível para o Brasil: um novo racionamento de energia para o início do próximo ano.
"O ponto crítico é agora, quando se tem a menor quantidade de chuvas - com agravante de uma primavera muito quente - e todo o setor produtivo está no pico do consumo (de energia) se preparando para abastecer o mercado no fim do ano", avalia o professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em eficiência energética, Tomaz Nunes.
A salvação para que a possibilidade de racionamento diminua, segundo apontam ele e o consultor de energia João Mamede é o período chuvoso esperado entre o próximo mês e abril de 2015, principalmente, no Sudeste, onde estão as principais hidrelétricas do País.
"Se não chover neste período, fica tudo mais grave", afirma Mamede, observando que a água acumulada ainda "deverá servir como uma reserva para o ano seguinte (2016)" e não poderá ser gasta ao longo de 2015.
'Mortal para setores'
Dados do próprio Operador Nacional do Sistema (ONS) informam que, hoje, Sobradinho já reduziu a liberação de água de 1,3 mil m³ para 1,1mil m³ por segundo, com tendência de reduzir ainda mais em horários alternados do dia. Já a usina de Três Marias poderá parar de gerar energia no fim deste mês ou no início do próximo, enquanto Furnas opera com 5% da capacidade e a 5 metros do nível mínimo.
Para ambos os especialistas, "uma campanha para conscientizar a população já deveria ter sido empregada", mas, como não foi, espera-se uma "decisão muito dura para reverter tudo isso". Até lá, recorre-se às usinas térmicas, cujo preço de geração é quatro vezes maior que o da hidrelétrica. "É uma situação crítica porque a conta de energia influencia na economia do País e, em caso de racionamento, pode ser mortal para alguns setores", reforça o consultor.
Racionamento via apagões
Já para Fernando Ximenes, primeiro secretário da Câmara Setorial Eólica do Ceará, o racionamento de energia já acontece em todo o País, mas de forma disfarçada. Engenheiro responsável pelos primeiros projetos de mini e microgeração no Estado, ele afirmou estar mapeando todas as interrupções de energia pelo Brasil e, com isso, identificou panes diariamente.
"Em fins de rede, como Roraima, Rondônia e Acre tem falta de luz todo dia. No Nordeste, é mais comum em Natal e Recife, mas isso já acontece também em Minas (Gerais), Mato Grosso - que estão recorrendo às térmicas para suprir as necessidades -, além de grandes metrópoles como o Rio de Janeiro", diz.
Racionamento de três anos
Na análise de Ximenes, o Brasil deveria ter leiloado o equivalente a 21 gigawatt (GW) há três anos para evitar a crise energética pela qual ele acredita que passamos. Como não o fez, estima um período de tempo igual ao do atraso de racionamento.
"O sistema não supre a demanda corrente e nós deveremos precisar de dois bons invernos para abastecer tudo que o Sistema Integrado Nacional (SIN) perdeu", endossa, contando que o governo, agora, pretende visar em leilões cujo prazo de entrega do megawatt é de, no máximo, dois anos.
Térmicas x renováveis
No entanto, há divergências entre eles sobre o futuro da matriz energética brasileira. Enquanto Ximenes defende o investimento nas fontes eólicas - a partir de parques instalados no mar ao longo do litoral brasileiro - e solar - com parques espalhados pelo Centro-Oeste do País -, os demais apontam para as térmicas como única saída da crise enquanto as hidrelétricas não voltam a capacidades de geração normal. O cerne da questão está na chamada segurança.
"Talvez nós consigamos minimizar o uso das térmicas com as eólicas, que vem se tornando economicamente viável", avalia Jurandir Picanço, consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). Ele, como Mamede e Nunes, acredita que a térmica é mais segura por "fornecer (energia) no momento que você precisa e na quantidade necessária".
Apesar de toda a segurança para o abastecimento, uma questão dificulta o investimento neste tipo de produção: a dos impactos no meio ambiente. Nunes observa que optar por termos sinalizam problemas futuros também: "primeiro, é poluente, pois há a queima de combustível fóssil (no caso de gás, óleo e carvão); e, segundo, o Brasil não é auto suficiente destes combustíveis". Questões que todos defendem que precisam ser discutidas com a população amplamente.
ICMS sobre energia gera 10% a mais de arrecadação
O Fisco estadual elevou sua arrecadação em 10% no ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) que incide sobre a energia elétrica, nos oito primeiros meses deste ano. No período, foram recolhidos R$ 527,8 milhões, contra R$ 481,1 milhões do mesmo intervalo de 2013, um incremento de R$ 46,7 milhões, segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Um dos principais motivos para a maior arrecadação neste item é o aumento da tarifa da conta de luz neste ano. A Companhia Energética do Ceará (Coelce) aplicou uma elevação de 16,77%, em média, para os cearenses. Além disso, também houve um incremento de 4,2% no volume de energia vendida e transportada e acréscimo de 3,8% no número de clientes cativos, também fatores que contribuem para um maior recolhimento fiscal.
Recolhimento
O Ceará tem a segunda maior arrecadação do ICMS - Energia Elétrica do Nordeste no período, atrás apenas da Bahia, que registrou R$ 938,7 milhões com o imposto. A arrecadação mais robusta vem de São Paulo, maior cidade do País e centro econômico do Brasil. O estado arrecadou R$ 4,57 bilhões, valor superior em 388,7 milhões ao alcançado no mesmo período de 2013.
No resultado nacional, também houve elevação neste recolhimento, com acréscimo de quase R$ 5,5 bilhões no período entre janeiro e julho deste ano em relação a igual período de 2013, passando de R$ 15,452 bilhões para R$ 20,928 bilhões.
Reajuste
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre janeiro e julho, de 34 concessionárias com reajuste autorizado, 31 elevaram suas tarifas. Destas, 27 tiveram altas acima de dois dígitos, de até 36,54%, afetando o orçamento de 43,2 milhões de residências.
No Ceará, os consumidores de baixa tensão tiveram aumento de 17,02%, enquanto para os de alta tensão - compostos por indústria e comércio -, o reajuste ficou em 16,16%.
Autonomia: País cai em ranking
Brasília. Entre os membros do G20, o Brasil fica na 14ª posição no ranking que mede a autonomia dos consumidores no mercado de energia elétrica. Em um ano, o País caiu uma colocação e foi superado pela Índia, no levantamento feito pela Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia).
O "Ranking Internacional de Liberdade no Setor Elétrico" tenta identificar os países em que mais se garante ao consumidor liberdade contratar a empresa que melhor lhe atender, segundo seus próprios critérios, seja preço ou qualidade do serviço. "Existe uma tendência mundial de acabar com o monopólio no setor elétrico", disse Reginaldo Medeiros, presidente da instituição. "A cada ano que passa, os países se adaptam seguindo essa tendência. Já o Brasil simplesmente não toma nenhuma medida nesse sentido. Está estacionado e sendo ultrapassado anualmente nesse ranking", afirmou.
No ano passado, o País também perdeu lugar para o Japão, que começou a flexibilizar suas regras, permitindo que mais consumidores pudessem contratar sua energia sem depender de uma única empresa.
Modelo nacional
No modelo brasileiro, cabe à distribuidora de cada região do País quantificar e comprar a energia necessária para atender todos os seus clientes, firmando contratos com diferentes usinas e empresas comercializadoras.
Como as distribuidoras fazem essas negociações em nome de seus clientes (sem a participação direta de cada um deles) cabe aos consumidores apenas o pagamento da conta no fim do mês - que sofre reajustes anuais.
Os modelos com mais autonomia, que dão liberdade para o consumidor, garantem ao cidadão a possibilidade de escolher a empresa da qual ele irá contratar energia. "Funciona como no mercado de telefonia móvel. Você pesquisa qual elétrica te oferece o melhor serviço e o menor preço", explicou. "Essa flexibilidade dá ao mercado mais competitividade e isso faz os preços caírem. Cada empresa reduz seus preços o quanto puder para conquistar mais clientes", completou. Segundo ele, a previsão para estender o mercado livre a cada consumidor já existe no Brasil. "Falta apenas vontade política", disse.
Primeiras posições
A lista do G20 para liberdade no setor elétrico têm entre os primeiros colocados a União Europeia, Alemanha, Coreia do Sul, França, Reino Unido, Itália e Austrália, que são completamente livres. Isso significa que qualquer consumidor pode contratar energia de qualquer empresa.
No Brasil apenas grandes consumidores de energia conseguem contratar neste modelo - quando o consumo supera 3000 kW. Entre os últimos colocados estão: China, África do Sul, Arábia Saudita, Indonésia e Argentina, que possuem o mercado completamente fechado. Tendo uma possibilidade apenas para contratação do consumidor.
Candidatos
A Abraceel pretende entregar o ranking da liberdade no setor elétrico para os presidenciáveis. A ideia é incentivar o debate do tema nos próximos anos, qualquer que seja o governo.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou que "um aumento, ainda maior, do mercado livre depende em grande parte de que os consumidores e comercializadores se disponham a firmar contratos, suficientemente longos, que assegurem uma expansão da geração voltada para este mercado".
A pasta destacou também que nos últimos dez anos, no Brasil, a contratação no mercado livre aumento de 6% do total de energia comercializada para 25%. Crescimento tido como "significativo" pelo governo brasileiro.
Armando de Oliveira Lima - Repórter
Fonte: Diário do Nordeste