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Publicado em: 04/02/2016

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CONSULTOR TRIBUTÁRIO - Fazenda não pode defender no Carf e na CSRF exigências contrárias à lei

Finalmente começou 2016. Nesta primeira coluna do ano, gostaríamos de celebrar algo positivo, ainda que no plano simbólico, mas persiste um sentimento de absoluta falta de confiança na capacidade de solução dos desafios por parte das autoridades (in)competentes. O país segue estagnado e desconfiado. Os indicadores econômicos indicam o fracasso. Atentas, cabeças mais privilegiadas procuram oportunidades para emigrar. Inúmeros talentos saíram ou começaram a se organizar para sair do Brasil. Se a esperança é mesmo a última que morre, estou certo de que para muitos seu velório já está em curso.

A desesperança em dias melhores para os contribuintes é também uma triste constatação, tanto pela inevitabilidade da criação de mais e piores tributos, que serão adicionados ao já tormentoso mar de exigências que navegamos, quanto pelo recrudescimento das autuações formuladas pelas autoridades fiscais de lançamento. Nada passará pelo crivo implacável do Fisco arrecadador.

O anúncio, em dezembro de 2015, da retomada das atividades do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), após o estrago produzido pela operação zelotes, nos tinha enchido de esperança. É uma vitória para a democracia o regresso à normalidade de funcionamento desses órgãos judicantes da administração fiscal que, historicamente, tiveram a coragem de acolher interpretações de lei favoráveis aos contribuintes e nunca recusaram cancelar autuações fiscais que contrariavam a lei tributária. Com efeito, o conselho e a CSRF sempre foram, para os contribuintes, órgãos de soluções técnicas nos quais se podia confiar.

No entanto, o sentimento geral é o de que esses tempos acabaram. A experiência recente revela que a fazenda nacional fará todo esforço para preservar as autuações fiscais, mesmo aquelas que contemplam exigências contrárias à lei.

Parece-nos, por isso, fundamental uma reflexão a respeito do real papel da Fazenda Nacional junto ao Carf e à CSRF.

A defesa fazendária na esfera administrativa, em processos de revisão de atos administrativos de lançamento, não é comparável à defesa da Fazenda Nacional na cobrança judicial de seus créditos tributários.

No momento anterior à formação do título executivo — em que se discute administrativamente a legalidade do lançamento de ofício —, o papel do Estado deve cingir-se ao de um imparcial defensor da aplicação da lei ao caso concreto.

Como ensina Alberto Xavier: “É certo que o Fisco, enquanto credor de tributos, é parte na relação jurídica subjacente ao procedimento, em que figura como titular da pretensão tributária; certo ainda que no referido procedimento exerce uma vasta gama de poderes, direitos e faculdades que lhe atribuem, indiscutivelmente, a posição de sujeito processual. Mas não é menos exato que, estando ele rigorosamente subordinado a um princípio de legalidade, não pode legitimamente pretender uma prestação tributária diversa da prevista na lei[1]”. (grifos nossos)

Por isso que nos lançamentos que envolvem uma discussão interpretativa como, por exemplo, a possibilidade de aplicação da “trava” de 30% para a compensação de prejuízos fiscais no ano em que a pessoa jurídica se extingue por incorporação, não há dúvidas de que a atuação da Fazenda Nacional poderá e deverá se dar ativamente na defesa daquela que considera a correta interpretação da lei.

Não obstante, mesmo nesses casos de discussão interpretativa, já houve um tempo em que a posição dos contribuintes chegou a prevalecer na CSRF, como no citado caso da “trava” de 30%[2]. Durante sete anos, a orientação da CSRF era pacífica no sentido de que “à empresa extinta por incorporação não se aplica o limite de 30% do lucro líquido na compensação do prejuízo fiscal”[3].

Porém, esse tempo parece ter mesmo acabado. Nos julgamentos dos últimos dois meses, o contribuinte perdeu todas: trava de 30%, limite temporal para pagamento dos JCP, efeitos fiscais da permuta[4]. O curioso é que em todos esses casos houve empate, e a vitória do Fisco foi decidida pelo voto de qualidade que cabe ao presidente do órgão. Ou seja, se o Fisco quiser recusar qualquer discussão interpretativa que seja favorável aos contribuintes, assim o fará com enorme facilidade, já que sua bancada tem votado sistematicamente de forma “fechada”.

A solução dessas questões interpretativas terá que ser, ao fim e ao cabo, buscada junto ao já abarrotado Poder Judiciário. A grande dificuldade dos particulares nesses processos está no “custo” da ação judicial ao longo do tempo. Como garantir o juízo em ações anulatórias, ou já mesmo em sede de execução fiscal, de créditos tributários de valores colossais, com juros Selic e multas extorsivas? Uma fiança bancária ou um seguro garantia são por vezes tão onerosos que mais vale aguardar a benesse de um programa de parcelamento/anistia — frequentes nos últimos anos e até já editados de forma temática[5] — para pagar a dívida do que prosseguir a discussão em juízo sem prazo para terminar.

Como não é plausível que a interpretação da lei mais favorável ao Fisco seja sempre a mais correta, uma hipótese a considerar — e aqui fica a sugestão — seria a edição de lei prevendo que a exigibilidade dos créditos tributários lançados contra contribuintes que tenham perdido na esfera administrativa pelo voto de qualidade permaneceria suspensa em caso de propositura de ação anulatória em certo prazo contado da data da intimação da decisão final, eis que inequívoco o fumus boni iuris, confirmado pelo seu placar apertado.

Já nos casos em que as autuações fiscais dizem respeito à aplicação da lei a operações que importaram em economia fiscal, como é o caso de operações de reorganização societária com o aproveitamento fiscal de ágio, mas que seguiram rigorosamente o figurino estampado nos preceitos legais, não deveria a fazenda nacional nem sequer recorrer à CSRF como tem feito. Há casos de recursos com flagrante ginástica interpretativa para tentar fazer caber casos em paradigmas, apenas e tão somente para ganhar todas as discussões sobre o tema.

Ainda que filosoficamente discorde do direito de dedução do ágio, muito mais sábia seria a Fazenda se não recorresse nos casos que seguiram o figurino legal, porque com isso deixaria clara a linha divisória de fronteira entre ágios aceitáveis e não aceitáveis. Ora, a sistemática da Lei 9.532/97 vigorou por 17 anos (até a Lei 12.973/2014) e sempre deu amparo ao procedimento adotados pelos contribuintes, que legitimamente se valeram de um direito de dedução. Recusar toda e qualquer dedução feita com base na lei criando para cada caso concreto novos requisitos inexistentes, como se tem visto, é forçar a realidade normativa apenas e tão somente para arrecadar.

Na esfera administrativa, em que se está revendo a legalidade do lançamento, a Fazenda não pode perseguir a vitória a qualquer preço, pois, como ensina a doutrina, “(...) no exercício da sua atividade de lançamento, o Fisco é um órgão de justiça, inobstante ser parte na relação jurídica tributária, cuja função consiste na aplicação objetiva da lei. E ainda que o Fisco é uma parte imparcial, pois — apesar de ser parte em sentido substancial de relação jurídica tributária — no procedimento administrativo de lançamento o “interesse formal” do Estado é irrelevante, devendo sempre prevalecer o ‘interesse substancial’ de justiça, ou seja, de aplicação objetiva da lei”[6].

Na nova CSRF, no entanto, Fisco e contribuintes estão sob o olhar atento da presidente. Seu retrato na parede faz lembrar o tempo do recurso hierárquico ao ministro da Fazenda, quando decisões favoráveis aos contribuintes eram livremente revogadas por mera conveniência.

É certo que foram apenas dois meses em que, nas questões juridicamente mais complexas, os contribuintes saíram derrotados, mas ainda há casos relevantes a serem apreciados. Por isso, só o tempo dirá se o que voltou a funcionar é um tribunal administrativo imparcial, técnico e paritário, um verdadeiro órgão de justiça, ou se é a antessala da mão pesada do executivo que precisa arrecadar para cobrir seus rombos orçamentários.

Nesse sentido, urge que as confederações preencham os cargos vagos e recuperem a paridade — ainda que formal — nas turmas do Carf[7]. A paridade material, lamentavelmente, foi fulminada pela infeliz decisão do Conselho Federal da OAB que amputou o órgão, privando-o de sua memória técnica, de sua experiência. Claro que a renovação é bem-vinda, mas deveria ser feita de forma gradual e segura.

Isso tudo nos faz pensar que o modelo deve ser profundamente revisto e, insistimos, limites de agir devem ser dirigidos aos órgãos de lançamento. Enquanto qualquer suspiro for tributado com base em uma alegada motivação fiscal, sem qualquer amparo legal ou constitucional, o contribuinte não terá nem esperança nem segurança jurídica para empreender no Brasil.

Por Roberto Duque Estrada

Fonte: Conjur