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Publicado em: 04/07/2013

ARTIGO: Lei Geral do Concurso Público Federal permite contratação de candidato ficha suja

04/07/2013.

"Trata-se de avanço muito tímido quando o tema em debate é a gestão da coisa pública. Pior, ainda, é querer aplicar esse tipo de permissividade à contratação de agentes para ocupar cargos efetivos e vitalícios."

 Em meio à onda de protestos que inclui na agenda medidas mais eficazes de combate a corrupção, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o Estatuto do Concurso Público para a administração pública federal.

O Projeto de Lei nº 74, de 2010, foi aprovado com 76 artigos divididos em nove Capítulos que disciplinam regras gerais para os concursos públicos, ingresso de pessoa com deficiência, provas, avaliação de títulos, recurso administrativo, direitos dos candidatos aprovados e o controle pelo Poder Judiciário do concurso público.

O Estatuto se aplicará aos concursos públicos dos servidores civis e militares, detentores de cargos efetivos e vitalícios, alcançando juízes, procuradores da República, advogados públicos, delegados, peritos e agentes da Polícia Federal, auditores fiscais e de controle externo, entre outros agentes públicos que atuam na prevenção e combate à corrupção. Eis a proposta:

Dispõe, com base no art. 37, II, da Constituição Federal, sobre normas gerais para a realização de concursos públicos na administração direta e indireta dos Poderes da União.

Art. 1º Esta Lei regulamenta o art. 37, II, da Constituição Federal e estabelece normas gerais para a realização de concursos públicos na Administração Pública Federal direta e indireta, visando:

...

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei os concursos públicos para investidura em cargos públicos civis e militares, efetivos e vitalícios, e empregos públicos dos órgãos da administração direta da União, suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União.

 De todos os dispositivos da proposta, um chama atenção em particular, pois sobrepõe os interesses do candidato em detrimento do interesse da Administração, que tem o dever que organizar o seu quadro de pessoal, em especial no que tange aos cargos que exercem atividade exclusiva de Estado, de forma a garantir a segurança e o direito dos cidadãos.

Trata-se da proposta do artigo 31, o qual prevê que a sindicância de vida pregressa do candidato considerará apenas elementos e critérios de natureza objetiva, sendo vedada a exclusão do concurso de candidato que responda a mero inquérito policial ou a processo criminal sem sentença condenatória transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado. Eis a redação do comando em tela:

Art. 31. A sindicância de vida pregressa considerará apenas elementos e critérios de natureza objetiva, sendo vedada a exclusão do concurso de candidato que responda a mero inquérito policial ou a processo criminal sem sentença condenatória transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado.

Essa proposta segue na contramão do que se exige nos concursos de juiz, procurador, delegado, auditores de controle externo, entre outros, que condicionam a investidura no cargo à apresentação pelo candidato de certidão negativa nas esferas cível, criminal e administrativa.

Os cuidados que os Poderes e órgãos adotam para a contratação de seus agentes até podem parecer exagerados e perversos à primeira vista, por aparentemente prejudicarem o interesse de um ou outro candidato.

Porém, as questões que envolvem a organização do Estado precisam ser analisadas de forma panorâmica, com foco na Administração Pública e nos seus deveres para com a sociedade em geral, não podendo interesses particulares se sobrepor aos interesses da coletividade encarnada no Estado.

Discussão de cunho semelhante permeou a concepção da Lei da Ficha Limpa, já que os parlamentares são resistentes à inelegibilidade daqueles que respondem a processos criminais e cíveis, incluindo neste caso as ações de improbidade administrativa. A Lei de Iniciativa Popular conseguiu avançar em alguns pontos, no sentido de tornar inelegíveis candidatos condenados por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado (artigo 1º).

Trata-se de avanço muito tímido quando o tema em debate é a gestão da coisa pública. Pior, ainda, é querer aplicar esse tipo de permissividade à contratação de agentes para ocupar cargos efetivos e vitalícios, agentes que têm a missão de investigar, auditar, processar e julgar cidadãos. Aquele que tem o dever de prevenir e combater práticas de corrupção, desvio e má gestão de recursos públicos não pode está sob nenhuma suspeita, sob pena de colocar em xeque a credibilidade das instituições públicas incumbidas dessa missão, criando campo fértil para desordem social.

O tema exige uma visita ao Voto do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ayres Britto, no âmbito da Resolução nº 22.842, de 2008 (Processo Administrativo nº 19.919/TSE), referente à consulta sobre as eleições de 2008. Lembra o ministro que os direitos e garantias fundamentais se distribuem na Constituição por blocos menores ou subconjuntos em apartado, pela clara razão de que eles não mantêm vínculo funcional imediato com os mesmos princípios constitucionais estruturantes.

É como dizer: “trata-se de direitos e garantias que, operacionalmente, se vinculam mais a uns proto-princípios constitucionais do que a outros”. Isso porque são modelos de direitos e garantias fundamentais que têm a sua própria história de vida ou o seu inconfundível perfil político-filosófico, definidor das respectivas finalidades. Um perfil político-filosófico, atente-se, que é a própria justificativa do vínculo funcional mais direto com determinados princípios constitucionais do que com outros.

Mais adiante, destaca que o bloco dos direitos e garantias individuais e coletivos (capítulo I do título II da Constituição Federal) está centralmente direcionado para a concretização do princípio fundamental da "dignidade da pessoa humana" (inciso III do art. 1º).  A reverenciar por modo exponencial, então, o indivíduo e seus particularizados grupamentos.  Por isso que protege mais enfaticamente os bens de "personalidade individual" e os de "personalidade corporativa", em tradicional oponibilidade à pessoa jurídica do Estado. Tudo de acordo com o clássico modelo político-liberal de estruturação do Poder Público e da sociedade civil, definitivo legado do iluminismo enciclopedista que desembocou na Revolução Francesa de 1789.

Já o subsistema dos direitos sociais (artigos. 6º e 7º do Magno Texto), sem deixar de se pôr como ferramenta de densificação do princípio da dignidade da pessoa humana, mantém um vínculo operacional mais direto com a concretização do princípio fundamental que atende pelo nome de "valores sociais do trabalho" (inciso IV do art. 1º da CR).

O exercício de direitos, frisa o ministro, não é para servir imediatamente a seus titulares, mas para servir imediatamente a valores de índole coletiva: os valores que se consubstanciam, justamente, nos proto-princípios da soberania popular e da democracia representativa (também chamada de democracia indireta).

 

(Continua...)

Clique para ler o artigo na íntegra.

*Lucieni Pereira é Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, professora de gestão fiscal e atualmente é presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC).

 

Fonte: Fonacate