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Publicado em: 11/09/2012

É preciso usar a queda do juro para reduzir a carga tributária

11/09/2012.

Para economista, sobra de recursos da dívida pública tem de ser usada para reduzir custo Brasil. Inflação, diz ele,não alcança o centro da meta, mas tampouco dispara

A redução dos juros reais brasileiros tem de ser usada para estimular o investimento, na visão de Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. Para ele, ex-diretor do Banco Central (BC), com a redução da carga de juros da dívida pública, abre-se espaço para desonerações tributárias horizontais, que afetem a economia como um todo e reduzam o custo Brasil, incentivando o investimento. Goldfajn também vê o aumento do investimento público como boa opção, mas alerta contra usar o espaço fiscal para ampliar gastos correntes do setor público ou estimular o consumo (e não o investimento) do setor privado. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. vê a inflação hoje?

Em 2011, o BC fez um aperto de política monetária para combater a inflação, e o governo também fez isso, na política fiscal e com medidas macroprudenciais. A inflação em 12 meses, que tinha chegado acima de 7%, começou a diminuir, e, há cerca de dois meses, havia expectativa, esperança de alguns - não era o nosso caso - de que a inflação ia convergir para o centro da meta de 4,5%. Nos últimos meses, ficou claro que essa expectativa não será cumprida. Há um risco grande de que essa inflação, que está voltando a subir, acabe fechando 2012 em 5,5%.

Por quê?

Essa inflação é em parte aumento de preços de alimentos relacionado a um choque de preços agrícolas que o mundo está sofrendo. Há aumentos do milho, do trigo, de soja, tudo relacionado a uma seca extremamente forte nos Estados Unidos. Agora, parte da subida da inflação é ligada a preços que pararam de cair. A queda dos preços dos carros depois da redução do IPI não se generalizou para outros produtos.

Não é preocupante a alta da inflação?

Acho que não teremos nem a inflação convergido para 4,5%, nem descolando, subindo sem parar. Vamos ter uma inflação entre 4,5% e 6,5%, provavelmente em torno de 5,5% pelo menos neste ano e no próximo. Obviamente, seria melhor se a inflação fosse para o centro da meta. Mas houve choques, como o agrícola, e temos de reconhecer, para ser justos, que a economia de fato desacelerou. Não se pode dizer que tenha faltado esforço de desacelerar a economia para controlar a inflação. Se o centro de 4,5% tivesse sido buscado mais decisivamente, isso significaria ter aceitado uma desaceleração ainda maior.

Como o sr. vê a frustração do crescimento desde 2011?

Bem, é fato que a indústria quase não cresce há um ano e meio, dois anos, e 2012 será o segundo ano em que a economia brasileira vai crescer menos do que a gente imaginaria que possa crescer no médio prazo. Um ano com 2,7%, outro com 1,7%. Acho que há duas razões para a desaceleração. A primeira são fatores globais. Em 2012, e especialmente no segundo trimestre, tivemos um crescimento muito baixo no mundo. Houve frustração com os Estados Unidos e a China, e a Europa está em recessão. Essa combinação dificulta a retomada brasileira. A segunda razão tem a ver com nosso próprio ciclo.

O sr. poderia explicar melhor?

Tivemos medidas de estímulo importantes em 2009 e 2010, durante um longo período, por quase dois anos, em razão da crise global. Os efeitos desse estímulo acabaram tendo de ser combatidos em 2011. Esse combate, que fez com que a inflação voltasse para dentro do intervalo da meta, para mais perto de 4,5%, 5%, levou a frustrações em termos do que as empresas planejaram. Elas planejaram muito mais vendas, planejaram repassar custos para preços, e não conseguiram. Deram aumentos de salários muito fortes, os custos subiram bastante, mas o combate à inflação em 2011 impediu o repasse. Assim, o custo ficou elevado, dificultou a retomada, porque com custo alto e margens apertadas, o investimento não ocorre.

Mas o repasse foi contido? A inflação chegou a passar de 7%, e, mesmo hoje, ainda está acima de 5%?

Considerando que as commodities subiram em 2010, com a economia do jeito que estava indo, a inflação ia aumentar e ficar no mínimo em 7,5%, se não subisse mais.

O governo estimulou demais depois da crise?

Parte do problema hoje é o estímulo muito forte em 2009 e 2010, por muito mais tempo do que precisava, que levou a um aperto igualmente muito forte em 2011. Para fazer retomar em 2012 foi mais difícil, porque a economia teve de digerir o excesso. Hoje, é preciso que o investimento retome. O consumo caiu um pouco, mas está bem.

O investimento está caindo desde o início do governo Dilma.

É preciso separar as questões conjunturais daquelas mais de médio prazo. Há um desafio, de fato, para o Brasil, de aumentar a taxa de investimento, hoje em torno de 19% do PIB, para algo perto de 22% nos próximos anos. É preciso poupança, é preciso que as empresas tenham uma margem mínima para investir, que os custos das empresas cresçam de forma mais moderada. É preciso também estabilidade, que eu acho que tem. Essa alta do investimento terá a ver com Copa do Mundo, com Olimpíada, com pré-sal, mas também com infraestrutura, com diversos setores. Mas esse recuo mais recente que você mencionou é conjuntural.

E como ele se dá?

Em épocas de desaceleração, é absolutamente normal que o investimento caia, como item do PIB mais volátil, que oscila mais fortemente. As empresas adiam investimento no meio de uma desaceleração. Esperam sinais de recuperação para retomar os planos. Então estou menos preocupado com essa queda recente do que com o desafio de fazer o investimento no Brasil saltar de patamar.

Como o sr. vê as medidas do governo para estimular o investimento?

Algumas são bem favoráveis ao investimento, outras menos. No primeiro grupo, está todo o pacote de concessões de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos. Os investidores estão olhando para isso. Se houver rentabilidade adequada, as concessões vão sair, e vão puxar o investimento numa área de grande escassez no Brasil, que é a infraestrutura. Outra medida importante é a redução do custo da energia elétrica para as empresas.

O que seria mais eficaz para estimular o investimento?

Se a gente for na direção de desonerar de fato, podemos chegar a um modelo coerente. Uma economia com juros bem menores do que no passado, em direção aos juros internacionais. Isso abre espaço nas contas fiscais, por causa dos juros da dívida pública, e a sociedade tem de decidir o que vai fazer com esse espaço.

Como o sr. analisa essa escolha?

A queda dos juros permite a redução da carga tributária, e isso pode levar ao aumento de investimento na economia brasileira. Mas se usarmos os recursos fiscais da queda dos juros para aumentar gastos correntes, ou para estimular o consumo privado, não haverá mais investimento, a inflação vai voltar e em algum momento o juro vai subir. E aí não dá para fechar as contas. Então, o modelo que se está desenhando está calcado numa recomposição dos gastos do governo em direção ao investimento e numa política de redução de carga tributária, para reduzir o custo das empresas.

Quais seriam os próximos passos?

Acho que é hora de reduzir a carga tributária, que está em torno de 35% do PIB. As desonerações que estão sendo feitas deveriam continuar, mas de uma forma planejada para reduzir de forma permanente os custos na economia brasileira como um todo. A diminuição do custo da energia elétrica, que é uma medida mais horizontal, que afeta a economia como um todo, vai bem nessa linha. Boa parte do crescimento nos últimos anos foi incorporação de mão de obra, mas chegamos num limite em que o desemprego não vai cair muito mais. O crescimento para a frente será mais calcado em acumulação de capital e melhora de produtividade, que depende de mais investimento, de melhorar a educação.

Como o sr. viu a negociação dura que a presidente Dilma fez com os servidores públicos?

Acho que serviu para mostrar disposição fiscal e, do ponto de vista dos investidores, mudou a percepção no sentido de que agora há um desejo do governo de usar os recursos públicos para investimento.

Quais medidas que o sr. acha menos úteis para elevar o investimento? O aumento recente de tarifas de importação de 100 produtos?

Acho que não vai na mesma direção das outras medidas. O que a indústria deve querer não é proteção, mas competitividade. Se ela percebe que tem a proteção, há uma sensação de que talvez haja menos crescimento de produtividade no futuro, o que a leva a investir menos.

Qual a projeção do Itaú para o crescimento do Brasil em 2013 e a médio prazo?

É de 4,5% para 2013. Depois de dois anos de crescimento baixo, acho razoável que cresça um pouco acima de 4%. Mas, para o médio prazo, acho que é de 3,5% a 4%.

Será que o juro real, que caiu a menos de 2%, fica nesse nível, ou volta a subir?

A Selic ainda vai cair de 7,5% para 7,25%, e que o juro está excepcionalmente baixo. Mas acho também que a Selic não volta aos dois dígitos. A nossa projeção é que volte a subir no próximo ano, mais para o fim do ano, mas só até 8,5%. Em termos de juro real, acho que deve convergir ao longo do tempo para algo como 3%, um nível muito mais baixo do que no passado recente.

E o spread bancário, que a presidente Dilma ainda acha que está muito alto no Brasil?

Há uma questão de como comparar com o resto do mundo, o que não é tão simples, mas a tendência é de que os spreads continuem caindo à medida que os juros caiam.

Economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA, Ilan Goldfajn é mestre de Economia pela PUC-Rio e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 1996 e 1999 e foi diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) entre 2000 e 2003.

 

 

Fonte: Febrafite

Por FERNANDO DANTAS - O ESTADO DE S. PAULO, em 10/09/2012.