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Publicado em: 12/11/2013

"Uma das maiores dívidas do país é a questão do desperdício", diz Lirando de Azevedo sobre a dívida pública em audiência no Senado

12/11/2013

Em audiência na CAE, debatedores dizem que quem paga a dívida pública é a sociedade

Quem arca com o peso da dívida pública é a sociedade e o maior beneficiário do endividamento público é o sistema financeiro. A afirmação foi feita pela coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, em audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, na noite desta segunda-feira (11).

Maria Lúcia explicou que a Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação civil, sem fins lucrativos, que busca auditar e debater a realidade das dívidas públicas. Ela disse que a dívida pública é um sistema e não pode ser vista de forma isolada, pois é “um mecanismo de subtração de recursos” de estados e municípios.

Serviços públicos

O presidente da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil, Amauri Perusso, lembrou que há mais de uma década o Congresso Nacional não vem julgando as contas do presidente da República – o que tornaria inútil esse trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU). Perusso ressaltou que os tribunais de contas são responsáveis pela análise das contas dos governos, inclusive sobre a realidade das dívidas.

Perusso cobrou a retroatividade do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nas dívidas com a União – hoje, as dívidas são indexadas pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). A mudança do índice pode representar uma queda de até 50% nos juros. Ele ainda pediu o expurgo de todo juro, pois “a União não pode ter lucro sobre estados e municípios”.

De acordo com Perusso, há muito tempo o endividamento deixou de ser um instrumento de crescimento dos estados e passou a ser um instrumento do sistema financeiro. Com base em uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS), Perusso informou que o estado gaúcho renegociou sua dívida de R$ 9,5 bilhões com a União em 1998. A auditoria mostra que até 2012 o estado pagou R$ 17 bilhões e ainda deve R$ 43 bilhões.

- Qual o serviço público deixará de ser prestado para se pagar a dívida? – questionou.

A coordenadora do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em Minas Gerais, Eulália Alvarenga, disse que o modus operandi da dívida se repete em todos os estados. Ela informou que os passivos registrados em empresas que já pertenceram ao estado, como o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge) e as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), foram repassados aos cofres públicos.

Eulália lembrou que em 1999, o então governador mineiro, Itamar Franco, chegou a declarar moratória à União. Os juros muito altos, a necessidade de uma auditoria na dívida mineira e a diferença de tratamento entre estados eram os argumentos de Itamar à época. Eulália ainda criticou muitos órgãos de imprensa que na época trataram a moratória como calote.

- Minas não quer calote. A gente quer pagar a dívida se ela for legal e legítima – disse Eulália, que ressaltou que Minas gasta mais com a dívida do que com saúde, educação e transporte.

A coordenadora do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em São Paulo, Carmen Bressane, apresentou a realidade da dívida da capital paulista. Segundo Carmen, 90% da dívida de São Paulo é com a União. Ela também acredita que a dívida termina sendo paga pelos cidadãos e criticou o projeto de lei da Câmara (PLC) 238/2013 – que trata de incentivos fiscais e mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000). Para Carmen, o projeto não representa avanços no debate sobre a dívida pública.

- Peço que aqui no Senado possam ver essa situação tão cruel com o povo brasileiro – pediu a coordenadora.

Direitos e cidadania

O presidente do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, Eric Toussaint, elogiou as recentes manifestações populares no Brasil. Para Toussaint, os protestos trazem um questionamento sobre o uso correto do dinheiro público – comparando gastos com eventos esportivos e serviços públicos como saúde e educação. Esse questionamento inclui, segundo Toussaint, um inevitável debate sobre a dívida pública.

- Temos que resistir, com base em direitos internacionais e internos, para garantir a satisfação dos direitos humanos – declarou.

Para o vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Lirando de Azevedo Jacundá, uma das maiores dívidas do país é a questão do desperdício – recorrente em obras públicas. Lirando ainda criticou os "contratos leoninos” que comprometem as finanças dos estados. Para o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Waldery Rodrigues Júnior, é preciso discutir a dívida pública com base em duas premissas: auditoria e cidadania. Ele entende que o poder público deve oferecer mais informações para a sociedade sobre a dívida pública de cada ente federado.

- Isso faz parte da maturidade democrática de um país. Afinal, o dinheiro é público – argumentou Waldery.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que presidiu a audiência, disse que a maior dívida dos estados e municípios é o analfabetismo, mas admitiu a importância de debater a dívida financeira. Cristovam foi um dos que assinaram o requerimento para a realização da audiência, ao lado dos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Eduardo Suplicy (PT-SP).

Para o senador paulista, quando os estados e municípios tiverem que gastar menos com a dívida, vai sobrar mais dinheiro para investir em saúde, educação e segurança. Ele ainda disse esperar que, assim, sobrem recursos para o Brasil implementar o programa renda básica de cidadania.

Segundo o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), os argumentos apresentados pelos debatedores formam um importante subsídio para o trabalho da CAE. Ele criticou a pouca autonomia dos estados na questão fiscal e disse que a dívida pública traz a discussão sobre um novo arranjo para o pacto federativo. Para Luiz Henrique, o debate sobre a descentralização das decisões no país é uma questão urgente.

- Não temos um país pequeno, mas um continente cheio de diversidades. Temos um continente que é pensado em Brasília. Mas Brasília não conhece os brasis – lamentou.

 

Fonte: Agência Senado/Febrafite