Pular para o conteúdo principal

Publicado em: 08/09/2014

Categoria

Brasil ainda figura entre os frágeis

Por não ter sinalizado as reformas econômicas necessárias para garantir a confiança dos investidores, o Brasil continua a ser visto por analistas como um dos países mais vulneráveis a uma eventual onda de aversão ao risco nos mercados internacionais. O crescimento baixo, a inflação elevada e a piora nos indicadores fiscais não apenas mantêm o país entre os chamados "cinco frágeis", segundo essa avaliação, como também o coloca em uma das posições mais delicadas do grupo.

Desde que o termo foi criado em setembro do ano passado para definir África do Sul, Brasil, Índia, Indonésia e Turquia como os mais expostos à volatilidade externa, alguns desses países reagiram às críticas, sinalizando mudanças e ganharam pontos. É o caso de Índia e Indonésia, que, após trocas de governo, anunciaram reformas estruturais importantes.

Enquanto isso, a leitura de muitos analistas é que não houve evolução no Brasil. Embora a possibilidade de mudança de governo, com potencial vitória da candidata do PSB, Marina Silva, tenha fortalecido ações e bônus do país nas últimas semanas, a incerteza do resultado eleitoral e a atividade econômica aquém do desejado ainda deixam investidores cautelosos com o Brasil. "O mercado está forte, mas isso não muda o fato de que a economia está fraca", diz uma fonte de banco que prefere não ser identificada.

Para o chefe de estratégia para mercados emergentes do Société Générale, Benoit Anne, o caso do Brasil é preocupante porque não houve nenhum sinal de melhora nos indicadores econômicos nos últimos meses. Para ele, é possível que essa tendência de piora seja revertida, mas será preciso esperar o resultado das eleições. "Se ganhar um candidato mais inclinado a fazer reformas, isso afetaria a confiança [do mercado] de forma positiva", diz.

É o que se observou na Índia e na Indonésia, onde houve trocas de governo neste ano. As novas lideranças sinalizaram mudanças econômicas aguardadas e, embora os planos ainda não tenham saído do papel, já agradaram ao mercado. "Há uma postura mais reformista nesses países", diz Rodolfo Oliveira, economista da Tendências.

A Índia é recorrentemente citada como a que mais surpreendeu. Logo em setembro de 2013, após o baque sofrido pelos emergentes, o banco central anunciou reformas para abrir o setor bancário e expandir o acesso das áreas rurais ao crédito. Em maio, o partido da oposição venceu as eleições e, um mês depois, anunciou reformas econômicas para criar empregos e impulsionar o investimento externo. "Ao sinalizar isso, o governo favorece a entrada de capitais no país", diz Oliveira.

Para completar, a atividade econômica foi além do esperado. No segundo trimestre, a Índia cresceu 5,7% na comparação anual, a taxa mais alta em nove trimestres. No mesmo período, o Brasil recuou 0,9%, entrando em recessão técnica - quando há dois trimestres consecutivos de retração.

"O Brasil vai sofrer mais porque acumulou desequilíbrios nos últimos anos", afirma Oliveira. "Déficit em conta corrente, questões fiscais, estagnação da economia, menor compromisso com os fundamentos macroeconômicos como um todo", lista.

Analistas consideram que, por enquanto, investidores estrangeiros mantêm suas aplicações no Brasil porque há farta liquidez e as taxas de rendimento polpudas do país mantêm os investimentos atraentes. Além disso, a América Latina como um todo estaria recebendo aplicações sacadas de emergentes europeus, onde o risco é considerado alto por conta da crise na Ucrânia. "Houve realocação dentro [dos portfólios] de emergentes", diz um executivo de um banco estrangeiro.

Em um cenário de aversão ao risco, contudo, a expectativa é que o mercado fique bem mais seletivo e, nesse quadro, o Brasil não teria tantas vantagens.

"Nos últimos cinco anos, os investidores praticamente não ligaram para os fundamentos. Essa é uma das razões para o Brasil estar indo bem", afirma Jan Lambregts, diretor e chefe global de pesquisa de mercados financeiros do Rabobank. "Mas quando o Fed sinalizar a alta de juros isso vai mudar", diz.

Além da Índia, a Indonésia é elogiada por muitos analistas. Apesar de ter apresentado desaceleração no crescimento no segundo trimestre, de 5,12% na comparação anual, o país passou por uma mudança no comando político que foi bem recebida pelos mercados. "Houve evoluções políticas consideráveis", diz Anne, do Société Générale. O novo governo, eleito em julho e liderado por Joko Widodo, prometeu que vai buscar o uso mais eficiente do orçamento público, reduzindo, por exemplo, os subsídios à energia, uma medida impopular, mas considerada necessária há tempos no mercado.

Para Anne, a África do Sul estaria no meio do grupo em termos de vulnerabilidade. Embora não tenha promovido mudanças desde o ano passado, assim como o Brasil, o país conta com o benefício de ser considerado por investidores um "porto-seguro" na região do Oriente Médio e da África, onde diversos vizinhos têm riscos geopolíticos elevadíssimos. "Isso ajuda o país a atrair mais recursos na região", explica Anne. Além disso, a economia sul-africana evitou uma recessão técnica - como a do Brasil - ao crescer 1% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.

Assim, o Brasil só estaria em situação melhor que a da Turquia, considerado o caso mais problemático do grupo. "A situação é pior que a do Brasil porque a inflação está alta e o banco central está cortando as taxas", diz Daniel Tenengauzer, responsável pela divisão de estratégia de emergentes do RBC Capital Markets. Em julho, a inflação avançou para 9,3% ao ano, bem acima da meta de médio prazo de 5%.

Para dirigentes do Banco Central (BC) brasileiro, o país está pronto para enfrentar futuras turbulências. "Precisamos ter consciência de que o Brasil já se preparou ao longo do tempo para esse processo", afirmou em discurso recente em São Paulo, o diretor de assuntos internacionais da autoridade, Luiz Awazu Pereira da Silva. "Essa preparação está sendo feita há muito tempo pelas autoridades, muito antes de haver esse debate de normalização", disse ele.

De olho na evolução desses países, alguns analistas recorreram a uma conhecida frase de Warren Buffett para resumir o que deve ser visto no próximo ano. "É só quando a maré baixa que você descobre quem estava nadando nu".

Fonte: Valor Online (Jornal Valor Econômico)