STJ - Empresa também pode ser consumidora e se beneficiar do CDC
STJ decide que imobiliária tem direito às prerrogativas do CDC na aquisição de aeronave
Informações claras sobre produtos, trocas em caso de defeito e facilidade na defesa de direitos. Esses são alguns benefícios que os consumidores têm na relação com as empresas. Os privilégios, dados quando uma das partes é mais vulnerável na relação comercial, podem também ser aplicados para pessoas jurídicas. Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que empresa que comprou avião para transporte de funcionários e clientes tem direito a prerrogativas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial da Líder Táxi Aéreo S/A contra a Skipton S/A, imobiliária. Para o ministro relator do caso, Paulo de Tarso Sanseverino, foi utilizado o conceito de consumidor da teoria finalista mitigada, ou seja, “considera que a pessoa jurídica pode ser consumidora quando adquirir o produto ou serviço como destinatária final”, diz a decisão. “A aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica, não para ser incorporada ao serviço de administração de imóveis”, conclui.
O código é claro quanto ao conceito de consumidor, de acordo com Amélia Rocha, professora de direito do consumidor da Unifor, defensora pública e colunista do O POVO. No artigo segundo, determina que é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Ela explica que, para a empresa se beneficiar do CDC, a relação de consumo precisa ser identificada. “Para que a pessoa jurídica seja consumidora é que se deve perceber se o produto ou serviço entra ou não na cadeia produtiva dela”. Por exemplo, uma máquina de cortar botões em uma fábrica de botões é um produto utilizado para a cadeia produtiva. Já um carro comprado para uma fábrica de copos descartáveis constitui relação de consumo.
O entendimento da utilização do Código de Defesa do Consumidor para beneficiar empresas já foi dado em outros casos pelo STJ, como destacou o advogado Yasser Holanda, sócio da Yasser Holanda Advogados Associados e especialista em advocacia empresarial. Ele explica que o Código é normalmente aplicado a pessoas físicas porque “a vulnerabilidade é presumida”.
A utilização do CDC na relação entre empresas pode ser benéfica, desde que analisada com cautela, de acordo com Holanda. “É benéfico desde que haja ponderações. É preciso avaliar o caso para não gerar insegurança jurídica nos negócios empresarias”. Ele explica que se o CDC puder ser utilizado em muitos casos distintos, algumas empresas poderiam se utilizar de má-fé. “Elastecer o conceito acabaria com a relação empresarial”.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste), explica que, apesar de poder ser considerada consumidora, uma empresa não pode utilizar instrumentos como os Procons. “No caso consumidor pessoa física, usa-se o princípio da vulnerabilidade. Ele é o mais vulnerável ao contratar.”
Na relação empresarial comum, prevalece o que foi acordado por meio do contrato, de acordo com Holanda. O direito civil é aplicado nesses casos. O princípio, de acordo com o advogado, é gerar igualdade de condições.
DICIONÁRIO
Princípio da boa-fé: A boa-fé é um princípio jurídico que tem relação com a intenção que uma das partes de um acordo teve ao fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Vulnerabilidade: É um princípio norteador do direito do consumidor, previsto no artigo 4º , I , do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e reconhece a existência de uma parte vulnerável nas relações abrangidas. É a parte mais fraca em uma relação.
Lei principiológica: O CDC é uma lei deste tipo. Ou seja, toda a legislação que venha a regular as relações de consumo devem se enquadrar aos preceitos ali estabelecidos.
Saiba mais
As vantagens de uma empresa poder recorrer ao CDC são a inversão do ônus da prova, prerrogativa de foro, responsabilidade objetiva, troca diferenciada pelo vício, de acordo com Amélia Rocha, professora de direito do consumidor, defensora pública e colunista do O POVO.
Em todo processo jurídico, por excelência, quem entra com a alegação é que precisa provar o que diz (tem o ônus da prova). No entanto, o CDC entende que, para o consumidor, na maioria das vezes, conseguir a prova é muito difícil.
Há a transferência de apresentar provas ao responsável pelo dano. Ou seja, a empresa é que deverá provar que não é a culpada na relação de consumo. Por isso, a “inversão do ônus da prova”.
A prerrogativa de foro está presente no art. 101 do CDC. Ele determina que a ação pode ser proposta no domicílio do autor. Outro direito do consumidor é ter o produto em substituição ao defeituoso se o vício não for sanado no prazo máximo de trinta dias.
No ranking dos maiores setores reclamados pelos consumidores estão telefonia e instituições financeiras, de acordo com Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).
A possibilidade de uma empresa ser considerada consumidora existe desde 1990, quando o Código de Defesa do Consumidor foi criado.
Repórter: Teresa Fernandes
Fonte: Jornal O Povo