ENTREVISTA COM CID GOMES - Cid assegura que não se afastará da vida pública
Cid aborda o futuro político do grupo que lidera e garante que ida para EUA não significa absoluto afastamento das relações com correligionários
O governador Cid Gomes afirmou que a decisão de ir para os Estados Unidos durante o início da gestão de Camilo Santana também se deve à necessidade deixar seu sucessor assumir a administração com total liberdade, mas negou que se afastará da vida pública e do Ceará ao longo desse período. Durante a passagem pelo exterior, o governador apontou que o irmão Ciro Gomes, ao lado do prefeito Roberto Cláudio e do deputado Zezinho Albuquerque, liderarão o grupo político em que ele esteve à frente no Ceará nos último anos. Quanto à eleição para presidência da Câmara Federal, Cid avalia que Dilma Rousseff perderá com possível vitória de Eduardo Cunha, líder da bancada do PMDB. Cid defende uma reorganização das bancadas na Câmara Federal, para fortalecer Dilma.
Diário - Governador, a decisão de o senhor ir para o exterior a partir de janeiro significa o quê? Um autoexílio?
Cid - Quem está na vida pública tem uma vida muito atribulada. Não vou me queixar de jeito nenhum, porque foi isso que eu quis, foi isso que eu sonhei, essa foi minha vocação. Então, eu não tenho queixa. Mas essa vida me impõe uma série de sacrifícios pessoais, familiares, que vez por outra é razoável que a gente tente uma compensação. O primeiro estímulo para passar uma temporada fora é uma maior convivência com a minha mulher e com os meus filhos. Eu tenho dois filhos e vai nascer agora em janeiro o terceiro. O primeiro filho mora com a minha primeira mulher e o convívio com ele não é o que eu desejaria ter. Mesmo o que mora comigo a gente troca os horários. Quando eu chego em casa, sempre ele já está dormindo. A segunda motivação é que a sucessão de poder é um momento em que, se você não tiver muito cuidado, uma relação respeitosa, amistosa e de admiração que é a que tenho com Camilo acaba sendo alvo de fofocas, intrigas. Quem está saindo do poder é que tem que dar demonstrações de desapego, de desprendimento para todos os lados, inclusive, para si próprio. É natural que a gente que fica o tempo todo dando opiniões e encaminhando soluções para todos os problemas tenha uma opinião sobre qualquer um dos problemas futuros e é natural que queira dar a nossa. Se você está aqui, você acaba conversando com um, isso chega e pode não ser a opinião dele. Então, esse é um ambiente propício a instabilidades emocionais. Quanto mais longe você esteja, melhor. Eu estou indo para os Estados Unidos, mas eu não vou me afastar da vida pública, que é a minha vocação definitiva. Você quer ir trabalhar como executivo de uma empreiteira? Sou engenheiro. Seria natural que eu fosse, mas não é o que me motiva. Eu não teria grandes satisfações com isso. O Banco Interamericano não é um banco comercial que faz empréstimo na boca do caixa, que tem cartão de crédito para explorar as pessoas com juros exorbitantes. O Banco Interamericano é um banco de estímulo à implantação políticas públicas exitosas e eu vou atuar exatamente nesse setor. Uma das coisas que eu vou fazer lá é levantar boas experiências sociais nos diversos países da América Latina, da América Central e da América do Norte e procurar ajudar os entes a conseguirem financiamentos para poderem colocar em prática isso. Então, eu vou atuar onde gosto. Eu sei que tenho responsabilidade com aquelas pessoas que ficaram ao nosso lado, que confiam na gente. Portanto, não vou me afastar absolutamente do Ceará. Hoje tem telefone, tem internet. Com uma simples conferência pela internet, eu posso cuidar do problema de Umari, procurando óbvio sempre dar a distância necessária para que o futuro governador não se sinta em nenhum momento ofuscado na sua liderança. O grande líder administrativo, político a partir de primeiro de janeiro é o Camilo e respeito muito isso.
Diário - O senhor já deixou claro que seu objetivo maior não é assumir um Ministério, como tem sido especulado. Mas pela proximidade com a presidente Dilma, se fosse pedido ao senhor a indicação de algum nome do PROS para assumir o Ministério, teria esse nome no Ceará?
Cid - Falar sobre especulação é sempre uma coisa complicada. Se você diz de partida que não aceita, que não quer um Ministério, isso parece uma coisa arrogante, deselegante, desatenciosa e eu diria até impatriótica. Na hora que eu disser se aceito, falando sobre especulação, eu estou me oferecendo. Não é uma coisa que se deva fazer. Agora, em momento algum, quando falo sobre isso em nome do PROS. Eu sou um filiado ao PROS, mas quem fala de participação do PROS na futura gestão é a presidência do partido. Eu me recuso terminantemente fazer qualquer especulação em nome do partido.
Diário - As manifestações de quase todos os políticos são no sentido de que o sistema político precisa de mudanças e essas mudanças têm demorado a surgir. Até quando esse modelo terá condições de sobreviver?
Cid - Acho que, no Brasil, ainda há muitos pseudo consensos. Há um senso comum da necessidade de uma reforma política. Tenho certeza que você concorda e eu também concordo. Agora, na hora em que você for da constatação real e quase unânime de que há uma necessidade de reforma política para o que vai ser mudado começa uma divergência de ideias e de visões que vai transformar isso num processo infindável. Sinceramente, eu acho que isso é um problema, mas acho que o pré-requisito para que isso possa ser feito é uma mudança profunda no modelo atual na relação entre o Executivo e o Legislativo. A nível federal, acho que nós chegamos ao fundo do poço em relação a isso. O cinismo e desfaçatez de que boa parte dos políticos no Brasil chantageiam, põem a faca no pescoço o Executivo no Brasil precisa mudar radicalmente. Isso é muito mais problema do que os vícios de um sistema político que a gente possa ter. O problema do Brasil está muito mais na relação do cotidiano do que na regulamentação desse modelo. O que eu tenho defendido para o Brasil é uma nova formatação da base ao governo da presidente Dilma. E defendo que ela faça isso agora e já com repercussões na eleição da Mesa Diretora da Câmara e do Senado. Não quero ser fatalista, não quero ser apocalíptico, mas penso que, se for eleito esse Eduardo Cunha para presidente da Câmara dos Deputados, o governo da presidente Dilma, de 100 créditos que ela tenha no início do governo, ela perderá 80. Ela em vez de começar o governo dela com 100 créditos, vai começar o governo dela com 20 créditos. Se Eduardo Cunha ganha a eleição para presidente da Câmara, o governo da Dilma perde 80% da sua força e crédito junto à população.
Diário - Governador, sobre sua defesa da fusão dos partidos, houve algum avanço em relação a essa ideia?
Cid - A gente continua conversando. Simplificando a tese que eu defendo, o principal sustentáculo do governo da presidente Dilma é do Partido dos Trabalhadores (PT). É o maior partido e eles que cuidem para manter viva a chama do partido. A segunda base hoje é o PMDB e a terceira perna é dispersa, pulverizada. Eu estou falando de um tripé. Uma perna é do PT, uma perna do PMDB com todas as fraturas do PMDB que boa parte do PT adotou com gosto e até aprimoraram. O PMDB inspira muito esses pequenos partidos. Muitos desses outros partidos são filhotinhos do estilo PMDB de se relacionar com o Executivo. O que eu defendo é que ela transforme isso num "quadripé", até porque quando tem quatro pés, se um falhar, os outras três dão conta de segurar. Então, eu defendo que o PT continue, o PMDB continue. Mas o PMDB, com 66 deputados, não pode estar falando como se tivesse a maioria absoluta. Então, eu defendo dois outros pés. Um ao centro e o (Gilberto) Kassab está trabalhando nesse sentido de formar um novo partido. Formando um novo partido, ele funde com o PSD e, nesse ato de fusão, ele pode recrutar quadros de muitos partidos. E uma frente ou partido à esquerda, que é onde eu me alinho mais ideologicamente. Kassab já me convidou para ir para esse projeto dele. Eu gosto do Kassab, quero tê-lo como parceiro, inclusive no Ceará, mas eu me afino mais no centro-esquerda. Agora eu já disse isso a presidente Dilma. Isso depende fundamentalmente de uma postura do Executivo. Não vai ser o Dom Quixote que, num mundo pragmático, frio e objetivo, vá conseguir constituir uma coisa como essa. O PT está lançando candidato à presidente da (Câmara). Não tem a menor chance. Zero possibilidades. Se não mudar muita coisa e ficar como está aí hoje não vai nem para o segundo turno. Para mim, essa candidatura do PT é uma coisa natimorta. Deve colocar, porque afinal de contas é o maior partido. Teoricamente num Parlamento mais apegado às regras civilizadas seria natural que o maior partido tivesse presidente. Infelizmente, esse não é o Mundo que a gente vê ali. Tem muito pouco da civilidade. Então, o que eu defendo como estímulo é que a frente de centro-esquerda há de se tornar maior e tem o compromisso de ter o candidato à presidente da Câmara.
Diário - Quem cuidará do grupo político que o senhor lidera no Estado do Ceará durante a sua ausência?
Cid - O líder para mim sempre foi o Ciro e sempre continuará sendo. O Ciro não definiu ainda o que vai fazer, mas o Ciro é que é a grande liderança. Eu acho que um grupo, partido com espírito público deve ter como preocupação central formar novas lideranças. Dizia-se no passado de um líder aqui no Ceará que ele era igual mangueira, não nascia nada embaixo dele. Eu procuro e o Ciro tem o mesmo estilo de estimular novas lideranças. Nós, ao longo desses anos, ajudamos a formar e consolidar lideranças importantes aqui no Ceará. Camilo não é do meu partido, mas o papel de uma liderança também é não se limitar ao seu partido. Roberto Cláudio é uma liderança importante, deputado José Albuquerque é uma liderança importante e todos eles estão em locais de visibilidade que lhe permitem atuar. Repito, Ciro é a grande liderança e eu, mesmo estando fora do Brasil, não vou ficar impedido de exercer algum papel de apoio.
Alan Barros/Edison SIlva
Reporter/Editor
Fonte: Diário do Nordeste