Crédito só virá se a insegurança diminuir, afirma Levy
O ministro Joaquim Levy (Fazenda) afirma que o crédito só voltará quando o país acabar com suas "incertezas", em resposta a críticas de petistas de que a Fazenda não tem uma agenda para o crescimento e para o crédito, e só fala em ajuste fiscal.
"Qualquer pessoa com um treinozinho entende que hoje você não tem crédito por causa da incerteza. Falar de crédito hoje é priorizar a diminuição da incerteza", disse, em entrevista à Folha.
Ao ser questionado sobre o "fogo amigo" vindo do PT e até de dentro do governo para que ele saia do cargo, Levy desconversou. "Não sei exatamente a que você está se referindo, mas a expressão fogo amigo é aquele fogo que vai por engano, você pensa que está fazendo uma coisa, mas na verdade está atirando onde não quer."
Na manhã desta quarta-feira (07), a presidente Dilma Rousseff descartou a assessores tirar Levy da Fazenda.
O ministro diz que a alternativa a uma não aprovação pelo Congresso da CPMF seria o aumento de "outros impostos", que, em sua avaliação, teriam maior ônus para a economia. Mas considera "menos provável" o cenário de a contribuição não passar no Legislativo.
Levy buscou evitar conflitos com o Congresso ao ser questionado sobre a demora na aprovação de propostas do governo. "O tempo parlamentar não é linear, não adianta ficar nervoso."
Durante a entrevista, o ministro montou um aviãozinho de papel. Ao final, a reportagem perguntou se podia testar sua "engenharia". O modelo de Levy voou pela sala e ele, sorrindo, disse: "A nossa engenharia aqui funciona".
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Folha - O sr. tem sido alvo de fogo amigo, com gente do governo dizendo que pode deixar o ministério até o final do ano. Procede isso?
Joaquim Levy - Não sei exatamente a que você está se referindo, mas a expressão fogo amigo é aquele fogo que vai por engano, você pensa que está fazendo uma coisa, mas na verdade está atirando onde não quer. Às vezes o radar do cara está um pouco torto, ele atira onde não sabe.
Mas há setores do PT que defendem sua saída, pedem uma agenda de crescimento.
Minha agenda é uma agenda de crescimento, não estou entendendo. Quem quiser falar de agenda de crescimento já sabe o endereço, é aqui.
Quando estava na Secretaria do Tesouro, em 2003, o que realmente deu fôlego para tudo o que aconteceu no governo Lula foi exatamente aquela sensibilidade de a gente tirar qualquer dúvida fiscal.
Aquilo criou os fundamentos. Foi uma das grandes demonstrações de sabedoria política criar uma boa fundação para depois construir o que quiser. O progresso, a inclusão social, a gente não teria conseguido nada disso se não tivéssemos tomado naquela época as decisões de fortalecimento fiscal.
O ex-presidente Lula tem dito que o sr. só fala de ajuste fiscal. Ele defende a volta de crédito.
Eu também. A gente tem o treinamento de economista e considera evidentes certas coisas, mas às vezes é importante você explicar. Qualquer pessoa com um treinozinho entende que hoje não tem crédito por causa da incerteza. Nem banco oficial hoje dá credito, olha como está o BNDES.
Falar de crédito hoje é priorizar a diminuição da incerteza. Você acerta o fiscal, aí a insegurança diminui, as pessoas começam a querer ir para a frente, a realizar seus sonhos, seus planos.
Até o setor produtivo reclama da falta de uma agenda microeconômica para destravar o crescimento.
Nós apresentamos uma agenda de cooperação legislativa para o crescimento. Ela propõe facilitar para que haja melhores projetos [de investimento], tanto para o que é construído pelo governo quanto para as concessões. Você tem que facilitar também a execução dos investimentos. A agenda de desenvolvimento é garantir as condições para o crédito crescer, para que os contratos de governo não sejam do tipo 'vamos entrar aí e a gente negocia na frente com sobrepreço'. Temos que acabar com essa cultura.
Mas essa agenda não está avançando no Congresso...
O tempo parlamentar não é linear. Não adianta às vezes você ficar nervoso, tem que ter paciência.
A elevação da Cide é uma alternativa?
Acho que ela não deve ser descartada nunca. No começo do ano a gente até chegou a pensar se fazia um pouco mais alto, sobre a gasolina. Tem seu mérito, mas não resolve tudo. Você tem que ter um cuidado, inclusive em relação ao timing. Se fizer um reajuste da Cide agora, contrata um impacto inflacionário muito significativo. A CPMF, na minha avaliação, é que tem menor impacto inflacionário.
Se a CPMF não for aprovada, o que fazer?
Acho que esse é o cenário menos provável.
E se não for?
Tem uma porção de outros impostos, todos os outros que, acho, vão ter ônus maior sobre a economia. Acho que a CPMF é menos discricionária, tem menos impacto na inflação. É importante que seja provisória, com data para acabar. Enquanto isso você vai fazer outras coisas. O ministro [do Trabalho e Previdência Social, Miguel] Rossetto está já orquestrando para a gente ver o que faz com a reforma da Previdência.
A questão da Previdência está sendo tratada com senso de urgência?
Acho que sim. A sutileza da reforma da Previdência vai ter efeito sobre a aposentadoria nos próximos 15, 20 anos, mas quando você tirar esse problema, tem o ganho imediato. Vai ajudar a baixar a taxa de juros de longo prazo. Isso ajuda seu investimento, em particular em infraestrutura. Acertar a Previdência é criar emprego hoje.
Tudo indica que o setor público vai ter deficit fiscal este ano de novo.
A etapa zero é resolver a questão dos vetos. Acho que hoje é prioridade tirar estas dúvidas. Cada veto desse que a gente mantém é um imposto a menos. A partir daí a gente engaja na discussão do Orçamento de 2016. 2015 é o ano de transição.
O governo não está adotando a mesma estratégia do primeiro mandato Dilma, de protelar para o final do ano o anúncio de um deficit?
Acho que não, a gente tomou medidas bastante fortes. Além de estarmos economizando R$ 80 bilhões em relação ao Orçamento autorizado, estamos tomando uma série de ações. A experiência deste ano reforçou a ideia de que nós temos que olhar as despesas obrigatórias.
Fonte: Folha de S. Paulo