EXECUTIVO E JUDICIÁRIO - Poderes travam disputa por fundo bilionário
De acordo com a Associação dos Magistrados do Brasil, todos os estados que tentaram utilizar recursos do fundo mantido pelo Judiciário fracassaram. Projeto de Lei que prevê uso do recurso será votado hoje na AL
Uma queda de braço entre o Governo do Estado e o Judiciário cearense deverá ter desfecho hoje, no plenário da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). O motivo é a utilização de recurso privado de cerca de R$ 1,2 bilhão.
Deputados votarão uma mensagem do Executivo que permite o uso dessa verba, originada em depósitos judiciais, para custear a previdência dos servidores estaduais.
Caso aprovado, o texto autoriza o governo a fazer uso de até 70% dos recursos geridos atualmente pelo Tribunal de Justiça do Ceará. O restante ficaria de reserva para o pagamento das partes vencedoras dos processos após determinação da Justiça.
De acordo com o secretário de finanças do TJ-CE, Alex Araújo, 30% do recurso pode ser utilizado pelo tribunal para investimentos, por exemplo, e 70% fica no caixa para pagamentos regulares. Se o projeto avançar, o Judiciário deixa de administrar esse dinheiro.
O montante é resultado de pagamentos de processos judiciais que ficam retidos por meio de sistema de depósito (com rendimento de poupança) que deverá ser utilizado para o pagamento de uma das partes que vencer o processo.
Magistrados
Enquanto deputados governistas buscam unidade para aprovar o Projeto de Lei, a Associação Cearense dos Magistrados (ACM) enviou ofício a todos os parlamentares pedindo apoio para rejeitar a aprovação do texto alegando inconstitucionalidade.
Para o presidente da ACM, o juiz Antônio Alves de Araújo, a medida do governo estadual fere o princípio da independência dos poderes. “Foi criado um fundo do qual o Tribunal de Justiça é guardião. Essa lei de 2009 foi de autoria do TJ e só pode ser revogada por outra lei feita pelo Tribunal. Nesse caso, a iniciativa parte do Executivo, o que é ilegal”, defende.
Líder do governo, o deputado Evandro Leitão (PDT) explica que “todo o dinheiro que for utilizado terá um código identificando a fonte de onde foi utilizado”. Segundo ele, “tudo será de forma transparente”.
O vice-líder, deputado Júlio César (PTN), rebateu as críticas da ACM. “O governo não entende que (a medida) seja inconstitucional.
O procurador-geral adjunto de Consultoria nos tirou todas as dúvidas nas comissões.”
NÚMEROS
R$ 1,2 bi é o total do recurso do fundogerido atualmente pelo Tribunal de Justiça
70% é o percentual que poderá ser utilizado pelo governo para custear a previdência
Saiba mais
Em 2009, lei de iniciativa do TJCE criou um fundo para que o poder Judiciário pudesse utilizar 70% do recurso de diversos modos, como construção de prédios e compra de equipamentos internos. Em 2013, porém, o percentual autorizado caiu para 30%. De acordo com a secretaria de finanças do TJ, o recurso foi utilizado entre 2010 e 2014.
Segundo a vice-liderança do governo, o maior percentual de pagamentos feitos a partir do fundo foi de 19%. O montante de 30% seria suficiente, argumenta o Executivo. Caso os pagamentos ultrapassem o percentual, o governo cobrirá a lacuna do próprio Tesouro.
"INCONSTITUCIONAL" - Associação dos Magistrados do Brasil é contra a medida
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) considera ilegal a medida que o Governo do Ceará tenta implementar por meio de Projeto de Lei enviado ao legislativo.
De acordo com o vice-presidente da AMB, Gil Guerra, outros estados da federação, como Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Sul e Piauí, tentaram usar esses recursos, mas ações de inconstitucionalidade impediram a execução das medidas.
Guerra destaca que a Lei Complementar Federal n° 151 de 2015, que autoriza o uso dos recursos judiciais pelos estados, é motivo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa proposta atende interesses do poder Executivo em detrimento do interesse das partes.
O principal fundamento jurídico é a inconstitucionalidade da lei estadual porque existe um princípio na Constituição que é a separação dos poderes”, disse
O vice-presidente afirma que o dinheiro não é do governo, muito menos do Judiciário. Segundo ele, o único prejuízo é das partes do processo.
“O sistema atual garante a integral e imediata devolução à parte que tem direito. Esse novo sistema não traduz vantagem nenhuma para o destinatário. O executivo quer usar dinheiro que não lhe pertence”, critica.
Fonte: Jornal O Povo