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Publicado em: 08/12/2015

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Preço de commodities pode ter relação com desastre em MG, diz engenheiro

Fase 1: a explosão nos preços das commodities leva à corrida para investimentos na ampliação de negócios. Para maximizar resultados, obras são feitas a toque de caixa. O endividamento sobe e aumenta a pressão sobre o setor público para a concessão de licenças ambientais, que são dadas de forma ligeira e precária.

Fase 2: a queda nas cotações não resulta em encolhimento na produção. Desafiando a lei da oferta e da procura, as grandes mineradoras seguem expandindo, ganhando no volume e esperando a maior concentração do mercado. Para manter lucratividade e a remuneração de acionistas, elas cortam custos, o que pode afetar a segurança da operação.

Então acontecem os desastres. Eles teriam uma ocorrência cíclica, assim como os preços das commodities descrevem um conhecido vaivém. Essa é uma das hipóteses que devem ser consideradas na avaliação do contexto do desastre provocado pela Samarco.

É Bruno Milanez, 40, professor de engenharia de produção e mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora quem levanta a questão. Ele lembra de estudo do canadense Michael Davies, que escreveu (com Todd Martin) "Mining Market and Tailings Dam Incidents" [o mercado de mineração e os incidentes com barragens de rejeitos].

No texto, focado no caso do cobre, os engenheiros sugerem a existência de uma relação entre um período de explosão na mineração e o aumento nos casos de acidentes com barragens de rejeitos de rejeitos —de 24 a 36 meses após o fim do boom. "É como uma ressaca depois de uma boa festa", afirmam.

"O caso Samarco parece ser mais um exemplo ilustrativo da hipótese geral de Davies", diz Milanez. Ela ressalta que somente a perícia sobre as causas do acidente poderá esclarecer o que provocou "o maior desastre ambiental da história do Brasil", nas palavras da presidente Dilma Rousseff.

FERRO VIVEU GANGORRA DE PREÇOS

O Brasil, segundo maior exportador de minério de ferro do planeta (atrás da Austrália) viveu a gangorra de preços na última década. A tonelada da commodity saiu de um patamar de US$ 32 em 2003 para um pico de US$ 196 (em abril de 2008), despencando para os atuais US$ 53.

"A partir de 2013 a China cresce mais devagar e as mineradoras estavam vindo no embalo da expectativa de manutenção dos preços altos. Enquanto as mineradoras ainda estão tentando concluir os investimentos, a demanda chinesa cai e há um desequilíbrio entre oferta e demanda e os preços despencam", rememora Milanez.

Indo na contracorrente do senso comum (que diz que a forma de enfrentar queda de preços é reduzir a oferta), "as três grandes (Vale, BHP e Rio Tinto) continuam investindo em expansão quando o preço cai. Quanto maior a mina, maior o ganho de escala. Elas diminuem custos e mantêm uma lucratividade relativamente alta. Têm a expectativa que, no médio prazo, algumas pequenas não vão aguentar. Vamos ter um processo de fusões e aquisições no setor de minério de ferro", diz o engenheiro.

A preocupação com custos resulta em descuido na segurança e nos cuidados ambientais? "Existe essa hipótese", responde Milanez. "Na tese de Davies, as empresas precisam apertar o cinto em algum lugar. E um desses lugares é a segurança. Mas não posso dizer o que ocorreu no caso específico da Samarco, se houve falha de monitoramento, problemas estruturais".

Milanez cita aspectos da Samarco que remetem ao roteiro desenhado por Davis (e resumido no início deste texto). A empresa registrou um aumento no seu endividamento. Sua dívida bruta saiu de RS$ 3,36 bilhões, em 2010, para RS$ 11,64 bilhões, em 2014.

Em seu relatório do ano passado, a companhia afirma que "o aumento do endividamento nos últimos anos faz parte do plano de investimentos". Cita também efeitos cambiais para o desempenho: "Como 99% da dívida da Samarco é em dólar americano, a apreciação dessa moeda em relação ao real nos últimos cinco anos causa efeito negativo nas demonstrações em moeda doméstica".

O engenheiro da UFJF lembra que a empresa também experimentou aumento no número de acidentes. "Eles mais que duplicaram: de 0,49 acidente por milhão de homens/hora trabalhado em 2011 para 1,27 em 2014. Isso sugere intensificação do trabalho e, possivelmente, menor cuidado com segurança. Mas é apenas uma hipótese", diz.

Milanez aponta como indício de corte de custo o fato de a empresa ter engavetado plano de monitoramento das barragens e alerta a moradores, conforme noticiado pela Folha no mês passado.

Para ele, "o desastre de Mariana não necessariamente intensificará o controle efetivo do Estado sobre as mineradoras. Se a lei atual fosse de fato implementada, teríamos muito menos acidentes com barragens, menos contaminação de água, menos poluição atmosférica, problemas menores de crise hídrica".

Pesquisador do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade, ele defende a necessidade de fortalecer e profissionalizar os órgãos de controle para garantir que as leis sejam cumpridas. Na sua visão, novos acidentes como o da Samarco podem se repetir.

"Talvez o desastre de Mariana desperte no Brasil a percepção sobre o papel da mineração no país, sua importância e seus riscos associados. E então a sociedade passe a questionar mais e exigir mais das mineradoras e do Estado. Isso pode obrigar as empresas e os órgãos controladores a se prepararem melhor", declara

Seu temor é que o caso tenha um desfecho como o do césio-137, ocorrido em Goiânia em 1987. Esquecido hoje, foi o maior acidente radioativo da história do país.

SAMARCO: BARRAGEM NÃO ESTAVA SOBRECARRGADA

Questionada pela Folha a respeito das hipóteses sobre as causas do acidente, a Samarco respondeu:

"Neste momento, infelizmente, não há como determinar as causas ou responsabilidades sobre o fato. Trata-se de um acidente de alta complexidade, que ainda está sob investigação. No entanto, vale ressaltar que todas as barragens da Samarco sempre operaram rigorosamente de acordo com o que determina a legislação brasileira. A última fiscalização ocorreu em julho de 2015 e indicou que as barragens encontravam-se em totais condições de segurança".

Segue afirmando: "A Samarco também realiza inspeções próprias, conforme Lei Federal de Segurança de Barragens, e conta com equipe de operação em turno de 24 horas para manutenção e identificação, de forma imediata, de qualquer anormalidade.

Todas as barragens da Samarco possuem Licenças de Operação concedidas pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental (SUPRAM) - órgão que, nos recorrentes processos de fiscalização, atesta o comportamento e a integridade das estruturas".

De acordo com a empresa, "a barragem não estava sobrecarregada. A Samarco tem um volume licenciado da ordem de 90 milhões de toneladas de rejeitos para a barragem e a estrutura continha, no dia do acidente, 55 milhões de toneladas de rejeitos armazenados".

A empresa diz que "sempre operou com altos padrões de segurança em todos os seus processos e mantém todos os seus monitoramentos em linha com as exigências legais e com as melhores práticas do mercado internacional de mineração. Todos os seus projetos são resultados de intenso planejamento, avaliações e rigoroso processo de implementação e de operação".

A Samarco afirma que "a segurança sempre foi uma prioridade" e que "possui um Plano de Contingências, aprovado pelos órgãos competentes, que determina as obrigações da empresa e ações que devem ser tomadas na ocorrência de acidentes, com o registro".

Sobre o aumento no número de acidentes de trabalho, declara que o fato ocorreu "em função do impacto do processo de ramp-up do Projeto Quarta Pelotização, inaugurado em abril de 2014, e consequentemente, da maior movimentação de empregados e contratados dentro de nossas instalações".

Segundo a empresa, "o resultado de 1,27 em 2014, embora ainda seja positivo em comparação aos padrões do setor mineral, não atende às expectativas internas da Samarco, que já havia iniciado a implantação de diversas melhorias e ajustes nas diferentes etapas do processo produtivo".

Fonte: Folha de S. Paulo