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Publicado em: 10/06/2016

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Devolução de verba do BNDES ao Tesouro divide TCU

Para pelo menos quatro dos nove ministros, retorno imediato de R$ 100 bilhões emprestados pelo Tesouro seria ‘pedalada’

BRASÍLIA - A obtenção do aval do Tribunal de Contas da União (TCU) para a devolução de R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos cofres do Tesouro Nacional não será tarefa fácil para o governo. A operação, classificada pelo presidente em exercício Michel Temer como vital para ajudar no reequilíbrio das contas públicas, pode deixar a União novamente sob suspeita de irregularidade. Algumas avaliações são de que a antecipação de pagamento do banco público ao Tesouro pode configurar o financiamento da instituição ao governo.

O Estado apurou que ao menos quatro dos nove ministros da Corte de contas têm uma clara posição de resistência à proposta do governo, e veem na transação mais um clássico tipo de “pedalada”, ou seja, de apropriação indevida de recursos de bancos públicos para aliviar as contas federais.

Apesar de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ter indicado há duas semanas que esta deveria ser uma transação trivial e que, “nos próximos dias”, o banco público liberaria uma primeira parcela de R$ 40 bilhões referente a empréstimos do Tesouro feitos anos atrás, os sinais são de que o tema caminha para um forte debate dentro do tribunal.

Segundo um dos ministros do TCU ouvidos pela reportagem, o que o governo propõe é adiantar a cobrança de um empréstimo dado ao BNDES que, por contrato, só teria de ser pago daqui a mais de 20 anos. Esse adiantamento infringe diretamente o que está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. “Não vejo como aprovar algo assim”, disse um ministro.

Entre 2009 e 2014, o Tesouro aportou R$ 440,8 bilhões no BNDES, a título de empréstimos de longo prazo. O objetivo inicial era estancar os efeitos da grave crise econômica mundial que começou no segundo semestre de 2008. O banco buscava suprir o vácuo deixado pelas instituições financeiras privadas, que secaram até linhas de capital de giro para as empresas.

Esses contratos de empréstimos previam prazos de 20 a 40 anos para pagamento. Hoje, a dívida do BNDES com o Tesouro, embutidos os juros, chega a R$ 514 bilhões. Na avaliação de alguns ministros, a proposta de adiantamento do governo é irregular, porque a lei proíbe o banco público de acelerar pagamentos de suas dívidas.

Para uma fonte do tribunal, uma forma de liberar a operação seria demonstrar que os empréstimos ao BNDES feitos pelo Tesouro (acionista único do banco) durante a gestão de Guido Mantega no Ministério da Fazenda seriam irregulares e que, portanto, agora teriam de ser desfeitos. Essa hipótese, porém, enfrenta resistências.

Conversa. Nesta quinta-feira, 9, Henrique Meirelles foi ao TCU para uma conversa com o presidente do tribunal, Aroldo Cedraz. Estava acompanhado do ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, do secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton, e da presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques. No encontro, Meirelles reafirmou que “o propósito da política econômica é reduzir a evolução da dívida”. Apesar do encontro amistoso, não saíram do tribunal com a garantia de que a operação será aprovada, nem quando será votada.

Nos próximos dias, o Ministério da Fazenda vai enviar ao TCU uma consulta formal, com peças jurídicas e administrativas, para defender a legalidade e a necessidade da transação. O pedido será avaliado por técnicos da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag). Essa avaliação foi determinada pelo ministro do TCU Raimundo Carreiro, com o propósito de “assegurar a observância às normas de direito financeiro em vigor e a preservação do interesse público”.

Após a conclusão dessa análise técnica, que tende a resultar em um parecer com sugestão de aprovação ou reprovação, o documento será encaminhado ao ministro Carreiro, que elaborará um voto sobre o tema. Só então o processo poderá ser votado em plenário.

Na semana passada, a proposta gerou mal-estar entre técnicos e ministros do TCU, após o procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, que foi veemente em apontar as pedaladas praticadas pela presidente afastada Dilma Rousseff, afirmar que a proposta de Michel Temer não infringiria a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Na Fazenda, a orientação é seguir à risca o que determinar o tribunal, para evitar qualquer tipo de ruído. O BNDES não comentou.

Fonte: O Estado de S. Paulo