RECLAMAÇÃO - Empresariado contribui, mas não vê retorno
19/01/2014.
Por isso, acaba sendo obrigado a pagar por serviços privados, como segurança e plano de saúde para funcionários
Para o empresário que tem controle das contas, fica muito mais fácil observar cada centavo a mais que repassa ao governo. Diante de tantos tributos, a farmacêutica Maria Neuma Ricarte é daquelas que tem tudo na ponta do lápis e sabe bem o que paga. Isso, segundo ela, acaba deixando-a bastante irritada ao verificar ausência de contrapartidas. "Na minha empresa são vários impostos e eu não vejo retorno do que eu pago. Alguns produtos acabam tendo uma diferença de preço maior e não podemos fazer nada. O consumidor reclama que viu na internet mais barato, mas é por conta da tributação que é diferente", diz Neuma.
Segundo ela, um dos maiores problemas é na compra de mercadorias, já que o imposto incide assim que entra no Estado - e não quando o produto é vendido. "Meu esposo é veterinário e trabalha com medicamentos, pois temos uma clínica. Fomos para uma feira de negócios em São Paulo e constatamos que em outros os estados muitos medicamentos são mais baratos justamente por conta do imposto estadual", explica.
A falta de retorno é reclamação constante entre os empresários cearenses. Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas do Ceará (Sescap-CE), Daniel Coelho, o grande problema são os outros "afazeres" que o empresário acaba tendo.
"Nossa carga tributária é alta e todos sabem. O grande problema é que o empresário também tem que pagar por segurança privada, plano de saúde para os empregados. Imagine a carga apenas da folha de pagamento, é muito alta", afirma.
Dificuldade
Ele alerta que, além da carga sobre os produtos comercializados, existe uma série de cobranças que devem ser observadas quando se tem um negócio. Por isso, destaca, é importante que o empresário fique atento às legislações específicas de cada atividade. Ele explica que de acordo com a análise, é possível evitar pagar mais do que deveria.
Além disso, Daniel alerta os empresários não deixarem esse tipo de conta em atraso, pois as multas podem acabar "quebrando" o negócio. "A consolidação do Código Tributário vem colocando multas com valores altos para as micro e pequenas empresas, com aumento das alíquotas. Assim, o governo acaba recaindo sempre sobre o empresário, fazendo com que ele arque com tudo e ainda venda para conseguir lucro", diz.
Sped
Um dos exemplos do presidente do Sescap-CE de como o governo "joga" a responsabilidade para o empreendedor é o caso da implementação do Sistema Público de Escrituração Digital, o Sped. "O Sped foi instituído em 2007, mas a grande massa passou a utilizar recentemente, em 2009. Nada mais é do que a obrigação da nota fiscal eletrônica. Ele apenas formalizou para o contribuinte, mas foram os empresários que tiveram que investir na tecnologia, que é muito cara", critica.
Mais investimento
Daniel diz que foi preciso investir em Tecnologia da Informação, além de contratar profissionais capacitados para trabalhar com a novidade. "O ponto positivo é que as informações geradas surgem na própria nota, ao invés de ter que digitar item por item, facilitando para o governo identificar as transações", afirma. Foram três projetos iniciais: Escrituração Contábil Digital, Escrituração Fiscal Digital e a NF-e - Ambiente Nacional.
Entraves também afetam pequenos
Mesmo com a simplificação de tributos para micro e pequenas empresas, montar e manter um negócio no Brasil continuam processos complexos. Logo na abertura, é necessário buscar o auxílio de profissionais para identificar qual o regime de tributação mais adequado. Isso porque, em alguns casos, pode ser muito mais vantajoso escolher pelo Lucro Presumido ou Lucro Real do que optar pelo Simples Nacional. Por outro lado, critica o diretor na Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza Assis Cavalcante, há dificuldade dos empreendimentos se expandirem sem sair em desvantagem.
"Para quem está dentro (da categorização como micro e pequena empresa), é uma grande vantagem. Contudo, as alíquotas vão crescendo em conformidade com o faturamento e a empresa passa bruscamente para outro regime", diz.
Segundo ele, o ideal seria uma cobrança escalonada, possibilitando às empresas crescer progressivamente. "Fica difícil de administrar o desconhecido, pois o imposto em cima da venda e da folha de pagamento é bem mais pesado. Assim, fica-se limitado, querendo ficar dentro do Simples, pois o outro é muito oneroso", frisa. Ele ressalta que isso inibe, sobretudo, a ampliação da equipe de funcionários.
Por outro lado, o articulador do Escritório regional Fortaleza do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Rafael Albuquerque, ressalta que a carga tributária hoje não é mais um aspecto crucial para a sobrevivência das empresas. "O peso maior é a ausência ou a dificuldade de ter uma gestão empresarial que passa por um planejamento", diz.
Alíquota menor
Ele exemplifica com o regime Simples Nacional que, além de unificar tributos, reduziu a alíquota total paga. "Vamos imaginar duas empresas de setores similares que faturem R$ 30 mil, uma optante do Simples e outra não. Dependendo do perfil da empresa, ela poderia ter uma alíquota de 4% e a similar, somando oito tributos, algo em torno de 17%, por exemplo", comenta. Rafael lembra que até dia 31 deste mês os empresários poderão optar pelo Simples Nacional.
O último estudo do Sebrae, de 2013, sobre a Sobrevivência de Empresas no Brasil mostra que 25% dos negócios com até dois anos no Ceará apresentaram mortalidade. Porém, não foram detalhados os motivos para o índice. Apenas em 2007 haviam sido divulgadas, com metodologia diferente, as razões para o fechamento de empresas com até dois anos no Estado, sendo que em 27% dos a causa era a carga tributária. À época de referência do estudo a opção pelo Simples ainda estava em processo de implantação.
Repórter: Gabriela Ramos
Fonte: Jornal Diário do Nordeste